quarta-feira, 24 de abril de 2024

 “32º FESTIVAL DE CURITIBA”

 “ANA LÍVIA”

ou

(UMA “MASTER CLASS”

DE INTERPRETAÇÃO TEATRAL

QUE VALE CADA CENTAVO PAGO 

PELO INGRESSO.)

ou

(UM “DUELO DE TITÃS”:

DUAS DIVAS 
NUMA SÓ.)







 

Tanto me interesso por assistir a espetáculos incensados, como também aos que recebem duras críticas de amigos, da crítica especializada ou de pessoas em geral. Quanto a isso, sou o próprio “São Tomé”: “Ver, para crer.”. Há algum tempo, vinha desejando assistir a uma peça sobre a qual ouvira e lera rasgados elogios e, também, comentários desabonadores, menos estes que aqueles, e me lamentava por não ter tido a oportunidade de assistir a ela em São Paulo, numa das vezes em que lá estive, no final do ano passado. Agora, corta para noite do dia 26 de março de 2024, quando os DEUSES DO TEATRO, que parecem encarnar, de vez em quando, nos curadores do “Festival de Curitiba”, me proporcionaram a oportunidade de realizar aquilo que seria, naquele momento, um sonho, para mim. O espetáculo que escolhi para assistir, no segundo dia do “32º FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA” foi “ANA LÍVIA”, encenado no Teatro da Reitoria. A escolha se deu por três motivos especialmente: os comentários que eu já levava para Curitiba, de quem já havia assistido à peça; a excelente entrevista concedida, naquela mesma manhã, na coletiva de imprensa, por CAETANO GALINDO, autor do texto, e a oportunidade de ter o prazer de ver, mais uma vez, no palco, o estupendo talento de BETE COELHO, de quem sou um fã declarado. BETE divide o palco com a atriz e diretora GEORGETTE FADEL, cujo trabalho de direção eu já conhecia “de muitos outros carnavais”, entretanto – nem, sei como explicar, atribuindo sempre a “culpa” à “vontade” dos DEUSES DO TEATRO, que sempre querem que tudo aconteça na hora certa. Momento descontração. – jamais tivera a oportunidade de conhecê-la como atriz, talvez pelo fato de eu ir poucas vezes, por ano, a São Paulo, onde ela desenvolve seu trabalho com mais frequência, e, também, porque penso que seja mais atuante fora do palco, presencialmente, como diretora. O fato é que, se, na noite anterior, eu já me afogara em adrenalina, assistindo ao espetáculo de abertura do “FESTIVAL”, depois de ter visto o trabalho irretocável de BETE e GEORGETTE (Até os nomes rimam, uma complementando a outra.) em “ANA LÍVIA”, fiquei quase sem fôlego. Aliás, essa sensação me acompanhou durante os 70 minutos de duração da peça, o coração disparado, numa frequência cada vez mais ascendente.

 

SINOPSE:

         A trama conta a história de duas irmãs atrizes, Ana e Lívia, e se passa inteiramente em um palco de TEATRO.

         Ana (BETE COELHO) precisa contar uma coisa terrível, mas Lívia (GEOREGETTE FADEL) não quer deixá-la falar.

         Lívia quer falar de uma nova peça, enquanto Ana sente que chegou ao seu terceiro ato.

         Ambas estão sozinhas, com suas dores, seus desvios e seus medos, sendo que uma tem apenas à outra.

A vida passada, o TEATRO, a vida que tiveram e têm, uma na vida da outra, o futuro que não sabem que terão.

Tudo isso volta à tona numa conversa em que as duas tentam fugir da verdade, da juventude, da vida, do fato de estarem sozinhas no palco e da dependência de um texto escrito por outra pessoa, esquivando-se do ponto central que precisa ser dito, sem saber se haverá um futuro, dividindo duas de uma só personagem.

Duas atrizes que não têm mais um dramaturgo; dois papéis de uma personagem só.

Ana foi, Lívia é, Ana Lívia... será?

 

         “ANA LÍVIA” é uma peça de alguém que tem uma necessidade orgânica de falar a uma outra pessoa, que não quer ouvir. Comunicação X Alienação. A leitura da SINOPSE supra não esclarece muito o que o espectador verá no palco. É truncada, misteriosa, opaca, porém, ao mesmo tempo, aguça a curiosidade das pessoas. Se a leitura de James Joyce é para poucos, não é diferente a “leitura” desta peça, até para os que são “ratos” de TEATRO, como eu, porém, se, mesmo sabendo disso, a pessoa decidir assistir à peça, terá uma gratíssima surpresa e se sentirá gratificada, ainda que tenha sentido dificuldade para entender o que a dramaturgia pretende comunicar. Confesso que eu mesmo, ator e com formação em Letras, além de “mais de meio século rodados de TEATRO”, em alguns instantes, desafiei meu cérebro, para decodificar alguma coisa que era dita ou representada. Trata-se de uma “peça cabeça”, com um texto hermético, denso e, ao mesmo tempo, poético. O que aconteceu foi que, a partir de um determinado momento, passados, talvez, 15 minutos do início do espetáculo, quiçá por estar, psicologicamente, já cansado do esforço para entender o texto, não consegui escapar da tentação de me fixar no preciosíssimo trabalho de interpretação da dupla de magníficas atrizes. A partir daí, só houve importância, para mim – com o devido perdão do autor -, ver aquelas duas divas se envolvendo num embate cada vez mais robusto. Acho que isso também se deu, além, obviamente, da qualidade do trabalho de interpretação da dupla de atrizes, pelo fato de, nos últimos tempos, eu não estar muito aberto a ter que mergulhar, abissalmente, em escritos rebuscados, abordando temáticas que demandam muito o ter que refletir. Atualmente, interessa-me mais contemplar do que pensar, raciocinar, “intelectualizar”. Seria isso errado?

  

CAETANO GALINDO, que escreveu a peça – É sua primeira experiência como dramaturgo. -, curitibano, é um renomado escritor, tradutor e professor de História da Língua Portuguesa, na Universidade Federal do Paraná, doutor em linguística, pela Universidade de São Paulo, considerado, no meio acadêmico, como um dos melhores tradutores, atualmente, no Brasil. Admirador, pesquisador e profundo conhecedor do legado literário de James Joyce, publicou, em 2016, uma das mais importantes obras sobre o festejado escritor irlandês, um guia, chamado “Sim, Eu Digo Sim: Uma Visita Guiada ao Ulysses de James Joyce”, livro no qual, de forma bastante didática, nos leva a entender e esmiuçar detalhes e miudezas que passaram, ou não, despercebidos aos olhos de leitores comuns que encararam o desfio de ler a mais famosa obra de Joyce: mais de mil páginas. Sua mais recente publicação, que acabei de encomendar (Meu interesse gira em função do fato de eu ser professor de língua portuguesa.), é o livro “Latim em Pó: Um Passeio pela Formação do Nosso Português”, publicado há pouco mais de um ano, “com o intuito de expor o trajeto de formação da língua portuguesa e instigar o leitor a se questionar sobre o idioma que utiliza no dia a dia”. GALINDO é detentor de vários prêmios, conferidos pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e outras entidades, já tendo sido finalista no mais concorrido prêmio brasileiro de literatura, o “Prêmio Jabuti”.

 

(Foto: Sandra M. Stroparo)

Na entrevista concedida na manhã do dia da estreia do espetáculo, em Curitiba, inserido na “Mostra Lúcia Camargo”, a principal do “32º Festival de Curitiba”, na Sala de Imprensa Zé Celso, GALINDO admitiu que seu texto é hermético e que não atinge muitas pessoas, contudo não se importa muito com isso e, num tom bem descontraído, afirmou: “Tem gente que vai achar ‘cabeção’, no sentido de que não é uma história ortodoxa, com um desfecho limpinho e bonitinho, com um enredo claro. Tem uma certa loucura envolvida”. E tem mesmo: muita; não “certa”. E acrescentou que “a pior situação que vem vivendo é encarar a pergunta sobre o que é a peça, até porque cada um tem uma resposta diferente”. Eu também não saberia dizer. E vai além: “Espero que as pessoas saiam mais se perguntando ‘o que diabos foi aquilo?’ do que tendo entendido uma história clara; tem muita coisa para você ficar com a pulga atrás da orelha”. Foi meio assim que aconteceu comigo mesmo. E arremata, dizendo que não se sabe, ao certo, a identidade das duas mulheres em cena e a relação existente entre elas, nem o que estão fazendo ali. É isso mesmo. É dessa forma que a grande maioria da plateia deve ter saído do Teatro da Reitoria naquela noite, o que, a meu juízo, é o de menos.


       (Foto: Gilberto Bartholo.) 

“ANA LÍVIA”, um vitorioso projeto da “CIA. BR116”, foi escrita por encomenda de BETE COELHO e teve como inspiração o último episódio de “Ulisses”, a icônica obra de James Joyce, traduzida por GALINDO. Na peça, são encontradas referências joycianas, a começar pelo título, inspirado em uma das personagens do escritor irlandês: Anna Livia Plurabelle. O autor do texto resume a peça como “Duas atrizes em busca de um desfecho.”, enquanto a diretora do espetáculo, DANIELA THOMAS, responsável, também, pela econômica e ótima cenografia desta montagem, considera a peça, como eu também, “uma declaração de amor ao TEATRO”.

Voltando ao final do parágrafo imediatamente acima do anterior (“...é o de menos.”), torna-se até “irrelevante, compreensível e aceitável” o fato de alguém não ter captado o que está escrito ou sugerido nas entrelinhas do texto, por mais que isso possa soar como uma “heresia”, mas é que o trabalho entregue pela dupla de formidáveis atrizes é algo tão magnífico, que o mais importante, para um espectador, é ter testemunhado um dos momentos mais inesquecíveis do TEATRO BRASILEIRO de todos os tempos – É ASSIM QUE EU PENSO. – diante da atuação de BETE COELHO e GEORGETTE FADEL. Um “duelo de titãs”: FURACÃO X TSUNÂMI; VULCÃO EM ERUPÇÃO X DILÚVIO; TERREMOTO X QUEDA DE METEORO; INCÊNDIO NA FLORESTA X ATAQUE POR BOMBA ATÔMICA... Não é frequente um encontro de duas estupendas atrizes, dando o seu melhor num palco, como BETE e GEORGETTE. As duas se entregam, numa “velocidade supersônica”, a seus papéis, ora uma, ora outra, emocionando o público, arrancando-lhe aplausos, em cena aberta, e risadas. Muito haveria a ser escrito sobre elas, naquele palco, contudo tudo seria uma sucessão de repetições. Por meio de uma estupenda “batalha” verbal e um intenso trabalho de corpo – Não consta, na FICHA TÉCNICA, o nome de quem assina a “performance” corporal, o que me faz crer que tenha sido obra das duas artistas. -, a(s) personagem(ens) “esgrima(m)”, sem qualquer arma branca nas mãos, sobre a ARTE de representar. Duas que parecem (Ou são?) uma, com características distintas de atrizes. Enquanto ANA carrega um peso mais dramático, mais introvertido, que se aproxima da tragédia, LÍVIA circula, com seu histriônico, lépido e chistoso jeito, mais pelo universo da comédia. No fundo, uma complementa a outra e isso me parece ficar bem claro no final da peça.

   

          Um dos quatro elementos da Natureza - a água - se faz presente, nesta encenação, de maneira marcante. O som do oceano, o marulho das ondas, o barulho delas quebrando nas pedras, se faz ouvir bastante, de duas formas: por meio de uma sonoplastia muito bem pesquisada, que valoriza bastante as cenas nas quais entra, e as onomatopeias produzidas pelas próprias atrizes em ação. Ainda a mesma água nos reserva uma cena deslumbrante, pela qual não esperamos, ao final da montagem, impactando o público. Sem “spoiler”! Tal elemento dá, a cada espectador que o deseje, o direito de decodificá-lo como quiser.

Sobre as contribuições trazidas pelos artistas de criação, o maior destaque, como já era de se esperar, corresponde à fascinante iluminação, do grande mestre curitibano BETO BRUEL, uma luz que valoriza o contraste da claridade e do breu, em alternâncias milimetricamente calculadas, com pontuais momentos de uma proposital hipervalorização da luminosidade.

Neste espetáculo, no qual salta aos nossos olhos, predominantemente, o trabalho de interpretação, os demais elementos de criação, como cenografia e figurinos “coadjuvam” a obra. Aquela, assinada pela diretora DANIELA THOMAS e por FELIPE TASSARA, se resume a uma mesa comprida, em cujas cabaceiras as atrizes se mantêm sentadas, mais BETE que a colega de cena, na maior parte do tempo da encenação, e três cadeiras. A longa extensão da mesa parece representar a distância que há entre elas.  Para levar à cena a ideia de um real palco de TEATRO, a direção optou por deixar à mostra as coxias, o que achei de excelente gosto. Os figurinos, criados por BETE e DANIELA, são simples e confeccionados em tecido preto, lembrando roupas de ensaio.

 



FICHA TÉCNICA:

Texto: Caetano W. Galindo
Direção: Daniela Thomas

Codireção: Bete Coelho e Gabriel Fernandes


Elenco:
Bete Coelho e Georgette Fadel


Cenografia: Daniela Thomas e Felipe Tassara
Assistência de Direção: Theo Moraes

Direção Musical: Felipe Antunes
Assistência de Direção Musical: Fábio Sá

Figurino: Bete Coelho e Daniela Thomas 
Diretor Técnico: Rodrigo Gava
Desenho de Luz: Beto Bruel

Assistente de Luz: Sarah Salgado e Pamola Cidrack

Operadora de Luz: Patricia Savoy
Operador de Som: Rodrigo Gava
Contrarregra: Theo Moraes
“Design” Gráfico: Celso Longo + Daniel Trench
Direção de Comunicação: Maurício Magalhães
Assessoria de Imprensa: Fernando Sant’Ana
“Design” de Mídia Social: Letícia Genesini
Fotos: Annelize Tozetto (Fotógrafa Oficial do “Festival de Curitiba”)
Assessoria Jurídica: Olivieri e Associados
Dramaturgista da Cia.BR116: Marcos Renaux
Local de Ensaio: CASAVACA
Produtora Executiva: Mariana Mantovani
Direção de Produção: Lindsay Castro Lima
Produção: Cia.BR116 – Teatrofilme

 

 

 

         No decorrer da encenação, ANA e LÍVIA, vez por outra, fazem referência a uma determinada peça teatral que alguém – “ele” – escreveu, ficando no ar uma incógnita acerca da identidade dessa pessoa, um “terceiro personagem” (?), que não aparece em cena. Não foi necessário, para mim, demandar muito esforço mental para decifrar tal identificação. Sem correr o risco de ser julgado como um “viajante” – ainda que o TEATRO conceda, a qualquer espectador, o direito de “viajar” nas decodificações, cada um com sua leitura -, julgo que a menção seja dirigida ao próprio autor do texto, algo próximo a uma “metalinguagem”. No mais, fica a minha confiança nos DEUSES DO TEATRO e a esperança de poder rever a montagem e me entregar a uma melhor e mais profunda "degustação desta exótica iguaria".

 

 




 

 

FOTOS: ANNELIZE TOZETTO

(Fotógrafa Oficial do 

“FESTIVAL DE CURITIBA”)

 

 

VAMOS AO TEATRO!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!

RESISTAMOS SEMPRE MAIS!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!


























































































segunda-feira, 22 de abril de 2024

 

“32º FESTIVAL DE CURITIBA”

 “SONHO DE UMA 

NOITE DE VERÃO”

ou

(O MEU SONHO NUMA

QUENTE NOITE 

DE OUTONO.)








         Estar em Curitiba e não ir à sede da “Trupe Ave Lola – Espaço de Criação” significa que a viagem não valeu, ficou incompleta, deixando uma lacuna a ser preenchida, principalmente para quem tem o TEATRO correndo nas veias, como eu. Para mim, é sempre um motivo de extrema alegria rever os amigos de lá, tão talentosos e, antes de tudo, generosos e grandes anfitriões, com destaque para as queridas ANA ROSA, LAURA e HELENA, mãe e duas filhas, respectivamente, todas TEZZA. Estar lá e sendo recebido por essa família é uma experiência indescritível. Na mais recente viagem à capital paranaense, para viver, intensamente, as delícias do “32º FESTIVAL DE CURITIBA”, passei o final da tarde e a noite do último dia 28 de março na companhia daqueles amigos, quando fui assistir à mais nova montagem teatral da “Trupe”, o clássico “SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO”, de William Shakespeare.


 


         Para quem não conhece, e não sabe o que está perdendo, o “AVE LOLA” é uma companhia de TEATRO que, há quase uma década e meia, vem encantando o público com espetáculos premiados, os quais circulam pelo Brasil, com experiências também no exterior, reconhecida por sua pesquisa no campo do TEATRO POPULAR BRASILEIRO, sempre buscando aprimorar sua linguagem teatral. Além disso, assina a produção de livros, filmes, exposições, oficinas e a articulação com artistas do mundo todo, sendo berço de projetos artísticos de diversas áreas culturais, como consta no “release” que me foi encaminhado por LARISSA DE LIMA, atriz do grupo e sua diretora de comunicação. A companhia já conquistou 34 prêmios, entre eles 20 premiações do “Gralha Azul”, a de maior relevância local, e indicações para os prêmios “Shell” e “Cesgranrio”. Desde sua fundação, em 2010, a “AVE LOLA” soma um público de mais de 90 mil pessoas, nas quais, com muito orgulho e prazer, me incluo, gente que se delicia com seus espetáculos. Toda a gestão é feita por mulheres – detalhe mais que interessante e proeminente -, garantindo espaço e visibilidade a elas no mundo das ARTES, a começar por ANA ROSA GENARI TEZZA, fundadora, diretora e dramaturga, com mais de 30 anos de TEATRO, tendo seus últimos trabalhos, como diretora de produção e como artista, amplamente reconhecidos pelo público e pela crítica especializada. Conta com indicações e premiações nacionais e internacionais, além de parcerias firmadas com grupos do Chile, Alemanha, Dinamarca, Holanda e França. Um detalhe muito interessante, envolvendo a forma como um espectador deve pagar para assistir a algum espetáculo da “grife” “AVE LOLA”, ainda pouco praticado, mas já seguido por outras companhias, é o “pagar por quanto vale”, em contribuições espontâneas, o que torna aquele reduto da ARTE um espaço democrático, aberto a um público bem variado.


 





         O motivo da minha mais recente visita àquele aprazível “Espaço”, onde, durante o tempo todo em que lá ficamos, se respira ARTE e camaradagem, situado no Centro da Cidade, foi para assistir à montagem de um espetáculo que fazia parte do “32º FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA”, um clássico da literatura dramática universal, a COMÉDIA “SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO”, “A Midsummer Night’s Dream”, no original, de Shakespeare, escrita em meados da década de 1590 (A precisão, quanto aos escritos do “Bardo Inglês”, nunca pode ser, realmente, garantida.). Crê-se que teriam ocorrido entre 1594 e 1596 a escrita e a primeira encenação da peça. Alguns autores, estudiosos da obra shakespeariana, defendem a tese de que o texto possa ter sido escrito, sob encomenda, para o casamento de Sir Thomas Berkeley e Elizabeth Carey, em fevereiro de 1596.

 

 








SINOPSE:

A história se inicia com o Duque Teseu (MARCELO RODRIGUES) preparando-se para se casar com Hipólita (WILLA THOMAS).

Antes do casamento, é chamado para resolver uma disputa amorosa, envolvendo a romântica Hérmia (HELENA DE JORGE PORTELA) e o seu pai, Egeu (KAUÊ PERSONA).

A moça ama Lisandro (PEDRO RAMIRES), mas Egeu tem a ideia de forçá-la a casar-se com Demétrio (WENRY BUENO).

O Duque, então, decide que Hérmia tem, como limite de escolha, até seu casamento com Hipólita, para selar o seu destino: casar-se com Demétrio, morrer ou converter-se, no altar de Diana, e abandonar o interesse pelos homens, para viver em solidão.

Como única solução para o impasse, Lisandro propõe à sua amada que ambos fujam de Atenas, e ela concorda.

Hérmia conta o seu plano à sua amiga Helena (HELENA TEZZA), a qual morre de amores por Demétrio.

Helena acaba informando-o da fuga, com a intenção de aproveitar e ficar sozinha com ele na floresta.

Os quatro, então, entram em uma floresta, povoada por elfos, fadas e outros seres encantados.

O Rei dos Duendes, Oberon (KAUÊ PERSONA) arma, com Puck (CESAR MATHEUS), um elfo, um plano extraordinário, envolvendo uma flor mágica, a qual fará com que qualquer pessoa se apaixone pelo primeiro “ser” que vir pela frente, seja rato, cobra ou leão, com a intenção de pregar um peça em Titânia (HELENA DE JORGE PORTELA), Rainha das Fadas, o que acaba por faz com que esta se apaixone, perdidamente, por um burro.

Enquanto isso, um grupo de artesãos, que também são atores amadores, ensaia uma peça para o casamento de Teseu: “A Mais Lamentável Comédia e a Mais Cruel Morte de Píramo e Tisbe”.

BOBINA (HELENA TEZZA) acaba sendo transformado, por Puck, em um burro falante, pelo qual Titânia se apaixona, por culpa da flor mágica.

Puck também arma outras confusões, que levam Lisandro e Demétrio a caírem de amores por Helena, deixando Hérmia de lado.

Vai daí...

 



 


 

Na trama, Helena ama Demétrio, que ama Hérmia, que ama Lisandro, que... ...também a ama (Isso lembra, até certo ponto, um poema de Carlos Drummond de Andrade: “Quadrilha” – João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.”. Momento descontração.). O único casal que tem a paixão correspondida, depara-se, porém, com um empecilho: o pai da moça. Este quer que a filha, Hérmia, se case com Demétrio, motivo pelo qual ela decide fugir com Lisandro, e os dois marcam um encontro no bosque. Vai daí... O enredo da peça propõe que o tema principal seja a percepção dos sentimentos que envolvem as relações interpessoais, bem como as ações que são geradas por essas emoções, como a traição, por exemplo.

 

 



 

Aqueles que, quando ouvem falar de Shakespeare, logo associam seu nome a tragédias, com temas pesados, como “Hamlet”, “Romeu e Julieta”, “Otelo”, “O Rei Lear”, “Julius Caesar” e “Macbeth”, as mais conhecidas, ignoram, ou não se lembram (de) que sua habilidade para criar peças de TEATRO também prosperou no braço da COMÉDIA, com textos leves e bem-humorados, como o da peça em tela, a qual trata de amores não correspondidos, desilusões amorosas e sentimentos passíveis de mudanças, quando menos se espera, e, no caso desta, ainda com um toque especial de fantasia. E, para que não pese a ideia de que o dramaturgo era, predominantemente, trágico, eis os títulos de algumas de suas obras cômicas mais conhecidas, além da que está sendo aqui comentada, considerada, por muitos críticos e estudiosos, a melhor COMÉDIA que, como dramaturgo, Shakespeare escreveu, o que não bate, exatamente, com a minha avaliação: “A Comédia dos Erros”, “O Mercador de Veneza”, “Noite de Reis” e “A Tempestade”; esta, a meu juízo, uma COMÉDIA “até a página 5”.).

 

 


 

 

 

Embora possa parecer contraditório, “SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO”, apesar das obstruções, dos óbices, das trevas e dificuldades, é uma COMÉDIA de amor, que inspirou o filósofo, historiador e político italiano Benedetto Croce, no século XIX, a escrever sobre a peça, com uma discreta pitada de ironia: (nela) “o amor é sincero, ainda não engana e é enganado, mas imagina-se ser firme e constante, e torna-se frágil e fugaz”. Uma das características mais marcantes da “carpintaria teatral” de “SONHO...” é a estrutura do entrelaçamento de diferentes classes sociais e distintos universos, a partir de suas constituições: a nobreza, as fadas e os seres e espíritos da floresta (personagens fantásticos), os cidadãos e os artesãos. Há outra, porém, como o fato de ser uma “COMÉDIA ligeira” e apresentar um roteiro com intrigas e confusões, vindo esta a florescer, com maior vigor, na França, no século XV, com o surgimento de um tipo especial de TEATRO, chamado “vaudeville”. (A base da maioria das informações contidas neste e no parágrafo anterior foi pesquisada na internet; leia-se “Wikipédia”.)

 

 



 


Já assisti a algumas encenações deste texto, incluindo uma, tão “anárquica” quanto genial, na versão do ano passado do mesmo “FESTIVAL DE CURITIBA”, encenada nos simpáticos jardins do “Dizzy Café”, dirigida por Maurício Vogue, numa livre adaptação, criativa e hilária, com muita música. O próprio diretor, que representou, irreverentemente, a personagem Titânia, dizia que “não é pra ser levada a sério”; mas eu levei, diverti-me bastante, como também ocorreu naquela “quente noite de inverno”, para os padrões curitibanos, e até escrevi sobre a encenação. (Aqui está o “link” da crítica, para quem se interessar: https://oteatromerepresenta.blogspot.com/2023/06/31-festival-de-curitiba-sonho-de-uma.html).

 

 


 


Por ser uma obra escrita há quase quatro séculos e meio, o que permite, legalmente, a qualquer diretor(a), fazer a sua leitura pessoal - da peça e do(a) diretor(a) -, jamais vi uma montagem que se assemelhasse a outras, como também aconteceu desta vez. Sempre há um diferencial, em cada encenação, nem sempre tão interessante, sob a minha ótica, o que não é o caso, absolutamente, da montagem em análise. A primeira “originalidade”, aqui, consiste no fato de a montagem acontecer dentro de uma tenda, a “Tenda Ave Lola”, de 150m², erguida, especialmente para esta montagem, com o propósito de poder proporcionar a um número maior de pessoas a oportunidade de assistir à peça, visto que o Teatro do “Espaço” é muito pequeno, e a quantidade de gente que deseja assistir a todas as produções lá encenadas é sempre muito grande. Não raro, dezenas de pessoas voltam para as suas casas frustradas, por falta de lugares disponíveis. Mesmo assim, com a “Tenda”, que ocupa um terreno contíguo à sede da “AVE LOLA”, não é possível acomodar a todos, pela grande procura do público, apesar do esforço hercúleo de ANA ROSA, para “acomodar todos os pintinhos sob as suasa asas”, como já a ouvi dizer, carinhosamente, em tom de brincadeira.     

 

 


 

 

 


Um traço identificador desta versão da COMÉDIA, uma espécie de “digital”, cuja direção, brilhante, diga-se de passagem, como todas as dela que já testremunhei, é assinada por ANA ROSA GENARI TEZZA, consiste numa estética que, além de bem popular, explora o texto por meio de formas de diferentes linguagens, com lufadas “bufônicas” (Acabei de criar um “neologismo”, com o sentido de um adjetivo relativo a “bufão”, o grotesco, aquele que faz rir por comportar-se de modo cômico, aquele a quem falta seriedade nas relações humanas), e convida o público para testemunhar momentos de paixão, magia e loucura”. Com relação ao original, a direção trocou nomes de personagens e omitiu um ou outro, de menor relevância, cuja ausência não interfere em nada no desfilar da trama. Todas as adaptações e toques pessoais da diretora são muito bem-vindos nesta leitura da peça. Ainda que o espetáculo não seja classificado como um musical, ANA ROSA optou, como é comum em seus trabalhos – e isso é muito bom e funciona bem - pela inclusão da música, com canções especialmente compostas para a peça, executadas ao vivo, cantadas pelo elenco, acompanhado por dois talentosos músicos, ARTHUR JAIME e BRENO MONTE SERRAT.


ANA ROSA GENARI TEZZA

 



Há muitas diferenças entre uma COMÉDIA clássica, antiga, e as modernas, embora haja convergência de intenções entre as duas: distrair e divertir uma plateia. Mas não é apenas isso. De origem na Grécia Antiga, esse gênero do TEATRO, que eu valorizo tanto, indo contra a equivocada opinião de muitos, até mesmo – PASMEM! - da classe artística, que a consideram uma “ARTE menor”, também, na maioria das vezes, tem o propósito de fazer críticas sociais de forma engraçada, sendo o engano uma de suas características principais. Com frequência, a graça é provocada pelo fato de um personagem, ou mesmo mais de um, ser enganado, ao longo de toda a peça, como ocorre nesta aqui comentada, ou, simplesmente, por tudo dar errado para os personagens. O riso pretendido também pode ser obtido via o absurdo da história. Praticamente, todos esses ingredientes entram na receita da montagem desta versão de “SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO”.

 




O material humano de que a diretora dispõe, para contar a história, é de altíssima qualidade. Alguns atores do elenco já eram meus conhecidos, de produções anteriores da companhia. Todos interpretam mais de um personagem, quer sejam os principais, quer sejam coadjuvantes (Os personagens são coadjuvantes; não os atores), e cada um deles consegue um excelente rendimento em qualquer dos papéis que representa, contudo, se a atuação coletiva é nivelada bem por cima, não posso deixar de destacar o trabalho de HELENA TEZZA, num patamar um pouco mais alto que o dos demais companheiros de elenco, não só na personagem homônima, como também quando encarna Bobina. A atriz é de uma sagacidade teatral e de uma leveza em cena impressionantes. Sabe como explorar seu corpo franzino e criar máscaras faciais que nos levam a prestar atenção nela, até quando afastada do foco da cena. Acrescente-se a isso seu preciso “timming” para a COMÉDIA, sem o que, nenhum ator ou atriz consegue mover o espectador para o riso. Sua primeira aparição em cena é cercada de uma grande surpresa (Não vou dar “spoiler”.). É uma pena que atores do gabarito de HELENA TEZZA, por exemplo, cujas atuações acontecem, predominantemente, em seus redutos residenciais, afastados do eixo Rio/São Paulo, não tenham seu trabalho mais conhecido e valorizado.

 

 


 


 



Se todos os brilhantes atores seguem, atenciosamente, a “batuta da maestrina”, ANA ROSA GENARI TEZZA, os artistas de criação não se apresentam de forma diferente, todos dando sua valiosa contribuição para o excelente resultado final da encenação. São eles, os principais: DANIEL PINHA, que assina um cenário simples, sem maiores complicações, no qual se sobressaem a abundância de praticáveis, de tamanhos e alturas variáveis, e uma cortina translúcida, ao fundo, que permite, ao espectador, acompanhar os deslocamentos dos atores de um ambiente ao outro, tudo totalmente a serviço da montagem; ANA ROSA GENARI TEZZA e HELENA TEZZA, na concepção dos figurinos, seguindo a mesma linha de criação que pautou a proposta da cenografia; MARIA ADÉLIA, que caprichou nos adereços e cabeças; e BETO BRUEL e RODRIGO ZIOLKOWSKI, responsáveis pelo desenho de luz. Uma FICHA TÉCNICA na qual consta o nome de BETO, um mestre em seu ofício, é digna do maior respeito. A dupla de iluminadores propõe uma variação de luz que dialoga com a cenografia, criando identidades distintas, e facilmente percebidas, de realidade e mistério, estas bem próximas ao onírico.        

 

 

 


 

 


FICHA TÉCNICA:

Autor: William Shakespeare

Tradução: Bárbara Heliodora

Direção: Ana Rosa Genari Tezza

Assistência de Direção: Giovana de Liz

Direção Musical, Composição e Arranjos: Arthur Jaime, Breno Monte e Julia Klüber

 

Elenco: Cesar Matheus (Puck e Mylord), Helena de Jorge Portela (Hérmia e Titânia), Helena Tezza (Helena, Bobina e Floresta), Kauê Persona (Egeu, Oberon e Quina), Larissa de Lima (Filostratro, Ervilha de Cheiro e Floresta), Marcelo Rodrigues (Teseu, Justino e Floresta), Pedro Ramires (Lisandro, Bicudo e Floresta), Wenry Bueno (Demétrio, Sanfona e Floresta) e Wila Thomas (Hipólita, Teia de Aranha, Mylady e Floresta)


Músicos: Arthur Jaime e Breno Monte Serrat

 

Cenografia: Daniel Pinha

Assistência de Cenografia: Stella Pugliesi e Rita Sobrinho

Cenotécnica: Anderson Quinsler e Vilson Kurz

 

Figurinos: Ana Rosa Genari Tezza e Helena Tezza

Orientação de Figurino: Eduardo Giacomini

Costura: Ari Lima e Sandra Francisca Canonico

Adereços e Cabeças: Maria Adélia

 

Iluminação: Beto Bruel e Rodrigo Ziolkowski

Montagem e Operação de Luz: Alexandre Leonardo Luft

 

Coreografia e Preparação Corporal: Ane Adade

Preparação Vocal: Julia Klüber

 

Direção Executiva: Entre Mundos Produções Artísticas

Direção de Produção: Dara von Doorn, Elza Forte da Silva Carneiro e Laura Tezza

Produção: Carlos Becker, Mattheus Boeck e Renata Bruel

Direção de Comunicação: Larissa de Lima

Assistente de Comunicação: Cesar Matheus

Prestação de Contas: Laura Tezza e Matheus Munhoz

Ilustrações e Projeto Gráfico: Raro de Oliveira

“Design” Tenda Ave Lola: Gabriel Rischbieter

Registro Audiovisual: Guilherme Danelhuk (Gnomos Filmes)

Registro Fotográfico: Maringas Maciel e Caíque Cunha

Produção de Vídeos para Redes Sociais: Amanda Kissua e Willa Thomas

Assessoria de Imprensa: Literal Links

Artista Residente: Renata Lorca

Coordenação Técnica da Tenda Ave Lola: Alexandre Leonardo Luft e Mattheus Boeck

Chefes de Cozinha: Karla Bruna e Yhamis Barreto

Chefe de Limpeza: Sirley de Souza

 

UMA PRODUÇÃO DA TRUPE AVE LOLA

 

 



 

 

     


SERVIÇO:

 

Temporada: De 27 de março a 21 de abril de 2024.

Local: Tenda Ave Lola.

Endereço: Rua Marechal Deodoro, nº 1227 – Centro – Curitiba – PR.

Dias e Horários: De 27 a 31 de março às 19h; 03 de abril às, 14h; 04 e 05 de abril, às 19h; 06 de abril às 10h; 07 de abril às 19h; de 10 a 14 de abril, às 19h30min; de 17 a 21 de abril, às 19h30min.

Sessão com audiodescrição e libras: 14 de abril, às 19h30min.

Valor do Ingresso: PAGUE O QUANTO VALE (Distribuídos por ordem de chegada ao Teatro.).

Classificação Indicativa: 12 anos.

Duração: 120 minutos.

Gênero: COMÉDIA.

 


 

 

 



         Hoje, 21 de abril de 2024, dia em que consegui publicar esta crítica, o espetáculo, infelizmente, será visto pela última vez, nesta curta e vitoriosa temporada, porém não tenho a menor dúvida de que, por conta de sua qualidade e da maciça procura pelo público, deverá voltar ao cartaz, em Curitiba mesmo, e tem tudo para viajar pelo Brasil, na dependência, obviamente, de patrocínios e/ou outros tipos de sustentação para o deslocamento desta produção, a qual, por tudo o que escrevi sobre ela, RECOMENDO COM O MAIOR EMPENHO.

 


 



        



FOTOS: MARINGAS MACIEL

e

CAÍQUE CUNHA



GALERIA PARTICULAR

(Fotos: Gilberto Bartholo.)

 

(Amigos do Ave Lola.)



(Tenda Ave Lola)


(Beto Bruel.)




VAMOS AO TEATRO!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!

RESISTAMOS SEMPRE MAIS!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!