domingo, 8 de setembro de 2013


ELEFANTE   -   COMO SÃO LINDAS AS MARCAS DO TEMPO!

 


 
O maior medo do Homem contemporâneo deve ter surgido com Adão e está sendo retratado, de forma brilhante, no palco do Espaço SESC Copacabana (Arena), desde o último 30 de agosto, e lá vai permanecer em cartaz até 22 de setembro.  Não é tanto o medo da morte, mas o de envelhecer.

Diriam aqueles que ainda não assistiram ao espetáculo que esse tema é muito “batido”, já tendo sido abordado milhares de vezes, por grandes artistas e nas mais diversas modalidades de arte, incluindo, é claro, o TEATRO.  Faltaria, portanto, originalidade, que despertasse o interesse de um espectador por assistir à peça ELEFANTE, uma ideia de Igor Angelkorte, que recebeu o tratamento dramatúrgico de Walter Daguerre, sobre a direção do próprio Igor e interpretado por seis atores, quatro dos quais se revezando em dois papéis.

O problema do ineditismo da ideia é muito válido, entretanto, o “batido”, quando explorado de forma original e criativa, torna-se “novo”, quase “inédito”, instigante, arrebatador.  É o que se pode ver na encenação do espetáculo ELEFANTE.  Tudo lá é apresentado de forma muito bem definida, definidíssima, sem a necessidade de que alguém nos auxilie com um “desenho”.

O texto retrata uma família que, com a ajuda e dependência total de uma certa “pílula”, ingerida uma vez ao dia, obedecendo ao soar de uma histriônica sirena, permanece eternamente jovem, a partir do momento em que, talvez, tenham se considerado - cada um de seus membros (pai, mãe, filho e nora) - no auge, na plenitude física e mental de suas vidas, momento que desejam, e conseguem, de forma “mágica”, perpetuar.  Vivem numa cidade, não geograficamente revelada, onde ninguém morre e envelhece.

 
Elenco da peça (incluindo os atores substitutos e o autor do texto, Walter Daguerre)
 
Às vésperas de mais um aniversário, Francisco, o filho, fotógrafo, demonstrando um comportamento “estranho” e transgressor, após ter retornado de uma viagem a um lugar, Sêneca, onde vivem pessoas normais, portanto mortais, subverte o “status que” de sua família e decide abandonar sua casa e passar a viver lá, em Sêneca, sem deixar referências para a sua mulher e seus pais, apenas fascinado pelo modo natural como as pessoas que lá vivem, nascendo, crescendo, envelhecendo e morrendo, cumprindo cada etapa natural da vida humana.  Ou, como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, numa de suas mais lindas crônicas, “FALA, AMENDOEIRA”, cumprindo o ciclo natural dos vegetais: nascimento (primavera), desenvolvimento, até atingir a plenitude de seu vigor físico (verão), envelhecimento (outono) e morte (inverno), como um ciclo sazonal, a cada trimestre. 

Não é preciso dizer que a atitude “desafiadora e inconsequente” de Francisco não só não é compreendida pela família, como, igualmente, não é bem aceita.  Como é que alguém abre mão de um “privilégio” tão grande e desejado para aceitar a degeneração física do corpo e a demência da alma? 

Ocorre que, após dez anos de seu autoexílio, durante os quais trabalhou, incessantemente, no registro fotográfico dos últimos elefantes do mundo, em Sêneca, ele volta para casa, naturalmente envelhecido, com a aparência de um septuagenário, revelando a todos que deixara de tomar a tal pílula, e reencontra o clã da mesma forma como o deixou.  A partir daí, inicia-se o conflito entre os que não enxergam o que há de positivo e belo na velhice e Francisco, que vê nela algo mais do que ter cabelos brancos, e ralos, perder dentes, sentir enfraquecido o tônus muscular, exibir as rugas e todas as demais marcas físicas que, implacavelmente, o passar dos anos reserva aos “normais”, qualquer que seja o ser vivo.

Deve ser pinçada, do texto, uma fala de Francisco, na tentativa de justificar, perante a família, a sua “tresloucada” decisão: “Envelhecer é uma conquista da humanidade.  O ser humano se desapega da coisas, das pessoas, das histórias e dos objetos que fizeram parte da nossa vida.”  Como essa fala me tocou e me provocou o brotar de algumas lágrimas, que escorreram sobre a pele do meu rosto envelhecido!

A partir daqui, respeitando aqueles que ainda irão assistir à peça, reservo-me o direito de interromper a sinopse do texto e passo a analisar as “peças” da engrenagem desta encenação.

Já me considero até suspeito para falar sobre um texto de Walter Daguerre, que considero mais uma grande estrela na constelação dos melhores dramaturgos nacionais, surgidos há menos tempo, na qual incluo, entre outros nomes, os de Júlia Spadaccini e Renata Mizhari.  Daguerre trabalha muito bem a elaboração de diálogos, simples na forma e profundos em conteúdo.  Desenvolveu muito bem a ideia de Igor Algelkorte, numa simbiose entre ambos, que merece ser repetida outras vezes.  Quem quiser conhecer mais sobre o trabalho de Walter Daguerre, é só conferir o seu talento de dramaturgo num outro espetáculo em cartaz: JIM, no Teatro do Leblon (Sala Tônia Carrero), nunca sendo demais lembrar seu outro grande sucesso, reeditado este ano e transformado em livro: A MECÂNICA DAS BORBOLETAS.

O elenco é formado por jovens e talentoso atores, contando com a experiência de um veterano, Fernando Bohrer, que vive o protagonista, Francisco, após o envelhecimento.  Há uma harmonia entre o quarteto de atores que contam a história, a saber:

O elenco:

IGOR ALGELKORTE – Francisco (o filho) – Muito seguro no papel, agrada-me muito a naturalidade como ele atua, o que já me impressionara no seu último trabalho como ator (DES)CONHECIDOS.  No papel de Francisco, Igor se reveza com Pedro Nercessian, que não vi atuar.

CHANDELLY BRAZ – a Mãe – Desde que chegou ao Rio, vinda de Pernambuco, para integrar o fantástico elenco de uma das melhores produções dos últimos anos, “CLANDESTINOS”, do mestre João Falcão, Chandelly só faz crescer, a olhos vistos, como uma excelente atriz, das melhores de sua geração.  Excelente no papel atual.  Seu personagem, às vezes, é interpretado por Júlia Lund, que não tive a oportunidade de ver em cena.

SAMUEL TOLEDO – o Pai – Esse ator também vem percorrendo uma trajetória ascendente em sua carreira.  Defende, de forma muito convincente, o seu papel e sabe aproveitar, muito bem, algumas cenas de destaque para o seu personagem.

FERNANDO BOHRER – Francisco (velho) – Além de bom ator, é diretor e professor de teatro da CAL, com formação de ator no Teatro Tablado, tendo sido assistente de direção de Maria Clara Machado.  Precisa de mais informações de seu currículo, para justificar seu excelente desempenho em ELEFANTE?  Louve-se o desprendimento, a coragem, o espírito profissional desse grande ator, de quase setenta anos de idade, ao se permitir despir-se totalmente, numa cena linda, comovente, de fazer perder o fôlego.  Nela, as marcas do tempo são insignificantes e se transformam na bela imagem que cada um conseguir enxergar.

Samuel Toledo


Chandelly Braz


Igor Angelkorte
 
            Demais nomes da ficha técnica que merecem destaque:

            DIREÇÃO – segura, eficiente e criativa, de Igor Algelkorte.

            ASSISTENTES DE DIREÇÃO – Paula Vilela e Philipp Lavra

            CENOGRAFIA – André Sanches – Ótima.  Despojada e perfeitamente adequada à encenação.  Uma grande mesa de formato insólito e quatro cadeiras, de um “design” interessante, porém nada confortáveis, que, no conjunto, remetem à ideia de uma ossada de elefante (Francisco faz uma referência a um cemitério de elefantes que ele fotografou em Sêneca.).  O detalhe do piso, revestido de uma mistura (aguada) de areia, água e cimento (é o que parece) produz ruídos, com o deslocamento (as passadas) dos atores em cena, que causam uma sensação estranha, desconfortável (difícil explicar) ao espectador.  Parece algo velho, deteriorado, morto, em contraste com a “juventude” dos personagens.  Não sei se embarquei numa viagem, mas foi o máximo que pude atingir para descrever as sensações táteis, visuais e auditivas que provocam, no espectador, um “desconforto positivo”.  Não deu para entender?  Vai conferir pessoalmente.

            ILUMINAÇÃO – Renato Machado – Brilhante, com detalhes de fixação de luz para realçar determinadas atitudes dos personagens e culminando com a ideia utilizada por esse grande iluminador para o desfecho da peça.  Se eu disser, perde a graça que o fator surpresa nos reserva.

            Os FIGURINOS, de Ronald Teixeira, e a TRILHA SONORA ORIGINAL, de Felipe Storino, são igualmente ajustadas à encenação.

            Para terminar, apenas três considerações:

1)      Normalmente, quando se pergunta a alguém maduro se preferia ser um balzaquiano ou estar vivendo o vigor da juventude, algo como: “Gostaria de estar agora com 40 ou 18 anos?”  A resposta, via de regra, é: “Eu queria ter o vigor dos meus 18, mas com a experiência e a vivência que tenho agora.”  Utopia pura.  Essa mistura é tão impossível como juntar água e óleo.  Para se atingir estas, faz-se necessário abdicar daquele.  Como eu sou apaixonado, por exemplo, pelas marcas do tempo no rosto de uma Fernandona!

2)      Aconselho a todos, recomendo mesmo, inclusive ao elenco, que leiam a crônica “FALA, AMENDOEIRA”, de Carlos Drumonnd de Andrade, e reflitam bastante sobre ela.  É autobiográfica, inclusive.

3)      A dois dias de completar 64 anos, saí do teatro, no último dia 5, quinta-feira, totalmente impactado com o texto, mas com muita certeza de que a última frase de Carlos Drummond de Andrade, na já referida crônica “FALA, AMENDOEIRA” é o indicativo maior, a verdadeira receita para se aceitar a idade e todos os riscos, obstáculos, dores, tristezas e, também, alegrias, felicidade, prazeres que ela nos impõe e oferece.  Mais que isto, saí feliz, com a certeza de que é preciso aceitar e saber viver o outono, para não temer o inverno: “OUTONIZA-TE COM DIGNIDADE, MEU VELHO!”

Detalhe, que me deixou muito feliz: ontem, tendo ido ao mesmo Espaço SESC Copacabana, para assistir, no mezanino, ao espetáculo TODAS AS COISAS ESSAS VIAGENS, deparei-me com uma fila enorme para assistir a ELEFANTE.  Acho que houve lotação esgotada.  Muito merecido.
 
(Fotos de divulgação e de Marisa Sá)

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