sábado, 15 de março de 2014


QUERIDA MAMÃE

 

(O ONTEM SEMPRE É HOJE, QUANDO É BOM.)

 




 

 

            Há dezoito anos, estreava um dos melhores textos de uma grande dramaturga brasileira: MARIA ADELAIDE AMARAL.  A peça em questão chama-se QUERIDA MAMÃE e trata do relacionamento conflituoso entre uma mãe e uma filha, o que não se trata de nenhuma novidade e, talvez, nem pudesse vir a ser um grande atrativo para o público.  O velho e desgastado conflito de gerações.  Mas o fato é que essa tão conhecida temática é levantada e discutida, de forma magistral, pela genialidade de MARIA ADELAIDE, e, hoje, após várias montagens e remontagens, volta à cena, no Teatro dos Quatro (Shopping da Gávea), tendo como protagonistas a grande e consagrada atriz STELLA FREITAS, no papel de RUTH (a mãe) e CÁSSIA LINHARES, outra ótima atriz, como HELÔ (a filha), desta vez sob a direção de HERSON CAPRI e SUSANA GARCIA.

 

O espetáculo original, que reunia ELIANE GIARDINI e EVA WILMA (chega a ser covardia), na década de 90, arrebatou os prêmios Molière, Mambembe, Shell e APCA, além de outros.

 

            O espetáculo, tantas vezes encenado, em quase duas décadas, já havia sido apresentado, há dois anos, pelas mesmas atrizes (STELLA e CÁSSIA), numa das salas do Teatro do Fashion Mall, com aceitação do público e da crítica.  Lembro-me do quanto me emocionei, assistindo àquela apresentação.  Muito mesmo.  Chorei.

 

 


 

 

            Desta vez, renasce, no palco do Teatro dos Quatro, para uma pequena temporada, em horário alternativo, mas certamente, merece uma vida bem mais longa e em horário nobre.  Oxalá os deuses do TEATRO façam a sua parte!

 

            À saída do teatro, no dia da estreia, ouvi o comentário de uma senhora: “Gostei da peça, mas é muito curtinha.” (o espetáculo tem a duração de sessenta minutos).  Imediatamente, fiquei pensando naquelas pessoas que compram livros a metro ou por cores, para preencher e decorar as estantes.  E fiquei me perguntando: para que mais?  

 

Não que o assunto não tivesse muito mais nichos a serem cutucados.  Não que não fosse agradável ficar mais tempo, observando e admirando o belo trabalho das duas atrizes.  Mas o dom da concisão, da precisão, do poder de sintetizar as coisas é algo difícil de ser alcançado (falar pouco e DIZER muito) e que deve ser motivo de elogio.  Todos os elogios do mundo ao texto.

 

            O final da peça, na verdade, não é o final da peça.  Diferentemente do que quase todos (a grande maioria mesmo) possam sair do teatro pensando (acabou bem e foram felizes para sempre – NÃO! NÃO CONTEI O FINAL DA PEÇA!) pode ser, quando muito, um anticlímax, ou falso clímax.  A peça tem um final aberto.  RUTH e HELÔ vão continuar “entre tapas e beijos”, em maior ou menor escala e sem, necessariamente, agressão física, porque assim são os relacionamentos humanos, até, ou principalmente, entre aqueles que se amam muito, porque amar não é tão difícil; o difícil é aceitar o outro como ele é e amá-lo mesmo assim.

 

            A simbologia contida, logo na primeira cena, precisa ser captada pelo espectador, a fim de que ele possa entender todo o desenrolar da trama.  HELÔ, na casa da mãe, ao revirar um antigo baú de roupas, à procura de um chapéu e de um vestido, para que fosse madrinha de um casamento, está, na verdade, mexendo com um passado, que pode suscitar lembranças agradáveis e dolorosas.  Cada peça encontrada é uma ferida a ser esfolada, é uma história mal resolvida, é um projeto fracassado, é um “déjà vu”...

           

Percebe-se, no desenrolar do texto, um esforço muito grande, de ambas as partes, para entender e aceitar a personalidade da outra, com a única intenção de harmonizar a relação, mas isso, todos sabemos, pode ser possível, mas à custa de muita dor e sofrimento.

 

 


 

 

            RUTH é uma senhora de finos traços e tratos, viúva, muito tradicional em seus valores éticos e morais, ainda que tenha vivido, na clandestinidade, um romance adúltero (é óbvio), revelado num dos diálogos com a filha.  Além de conservadora, também se revela controladora da vida da filha, entretanto, como toda mãe, o faz com a melhor das intenções, no afã de ver HELÔ feliz e realizada, em todos os aspectos.

 

            HELÔ é uma médica, completamente insegura, autodestrutiva, ácida, mordaz,  rebelde, solitária, irresponsável e que nunca soube fazer suas escolhas certas na vida.  A insegurança demonstrada na primeira cena, a da escolha do que vestir num casamento, é a mesma que sempre a acompanhou nos momentos decisivos de sua vida, inclusive quando se casou, contra a vontade dos pais, numa atitude de rebeldia, após ter engravidado do namorado (Sérgio, apenas citado na trama).  Está sempre cobrando da mãe uma suposta preferência pela irmã (Beth), “bem casada e muito bem sucedida profissionalmente”, que mora nos Estados Unidos e que, pelo menos para HELÔ, "ignora" a família, no Brasil.  Separada do marido, também vive um conflito com sua filha (Priscila, que também só é lembrada nas conversas entre mãe e filha), pelo fato de esta não aceitar o comportamento “bizarro” da mãe.  A história se repete a cada geração.  A adolescente resolve, inclusive, ir morar com o pai, após um embate violento com LEDA, a namorada de HELÔ. 

 

Perdão!  Não era minha intenção chocá-lo, ou algo parecido, meu paciente e generoso leitor.  Sim, HELÔ descobriu, já balzaquiana, seu lado homossexual, e você pode imaginar muito bem o que tal revelação gerou no relacionamento com RUTH.

   

            O resto é para você conferir, às 3ªs e 4ªs, às 21h, no Teatro dos Quatro, até o dia 30 de abril.

 

 

 


 

 

 

            Comentários sobre a ficha técnica:

 

            TEXTO – MARIA ADELAIDE AMARAL – Acho que é o meu preferido. Dispensa maiores comentários, além do que já foi dito.  Gosto muito do formato do texto, dividido em cenas curtas, com diálogos também curtos e ágeis, o que confere um ritmo muito bom ao espetáculo.

 

ELENCO – STELLA FREITAS E CÁSSIA LINHARES – Ambas fazem um trabalho impecável, numa atuação brilhante e comovente, cada uma contribuindo, da melhor forma possível, para que seja estabelecido o grande contraste entre as duas personagens.  Parabéns a ambas!

 

            DIREÇÃO – HERSON CAPRI e SUSANA GARCIA – Corajosos, por encarar a direção de um texto de MARIA ADELAIDE AMARAL, saem-se muito bem na sua função, assim como já os admirei em outro recente trabalho de direção, o inesquecível MATADOR, Gustavo Falcão e Daniel Dias da Silva protagonizando. 

 

            ILUMINAÇÃO – PAULO CÉSAR MEDEIROS – Já me faltam adjetivos para falar do trabalho do PAULINHO, quase sempre “muito” excelente (O que seria “muito” excelente?)  Belo trabalho!

 

            CENOGRAFIA – NATÁLIA LANA - Nada que mereça destaque.  É um belo cenário, que atende às necessidades do texto.

 

            VISAGISMO – BETO CARRAMANHOS – Sempre ele, o grande profissional do ramo. 

 

            FIGURINO – CAROL LOBATO – Muito bom! Tanto os usados pelas atrizes, em cena, como as várias peças que saem daquele baú de memórias.

 

            TRILHA SONORA - ALEXANDRE ELIAS – Venho observando, de perto, este moço, faz algum tempo, por conta dos belos trabalhos que vem apresentando, como em O PASTOR, o último dele de que tive conhecimento.  Em QUERIDA MAMÃE, também foi muito feliz na escolha das canções que sublinham e valorizam as cenas.


             DIREÇÃO DE MOVIMENTO - SUELI GUERRA - Muito boa.  Até o transitar, em cena, de RUTH e HELÔ, é contrastante.  A serenidade e a classe daquela se opõe aos gestos e deslocamentos mais ampliados (acho que este é o melhor adjetivo), graças ao dedo competente de SUELI.   

 

 

Segundo SUSANA GARCIA, "QUERIDA MAMÃE é uma peça atemporal, que fala de questões comuns a todos nós, como amor, solidão, rejeição, casamento, medo e dependência emocional.  É uma história envolvente, que mostra a essência das relações familiares: viver junto, conflitar, superar e tentar os pontos de encontro, os caminhos possíveis entre seres que se amam."



            Recomendo aos amigos e aos inimigos. Àqueles, com um beijo sincero; a estes, com um sarcástico “beijinho no ombro”.

 





 

(FOTOS DE DIVULGAÇÃO / PRODUÇÃO)

3 comentários:

  1. Parabéns Stela e Cássia, espero que mídia dê o devido crédito e reconheça essa espetacular reestréia! Abraços. (Roberto Botelho)

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  2. Parabéns Gilberto, curto e grosso! (Roberto Botelho)

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  3. Fiquei com água na boca...
    Não sei se sou da turma do beijo sincero ou do beijinho no ombro, mas adorei a recomendação.

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