segunda-feira, 7 de julho de 2014


A VIDA SEXUAL DA MULHER FEIA
 

 

 

(ou A VIDA SEXUAL DA MULHER “ESTETICAMENTE DESFAVORECIDA”.)

 

 


 

Detesto o “politicamente correto” e adoro um “besteirol”.

Não me venham com “esteticamente desfavorecida”, “comunidade”, “deficiente visual”, “pessoa de porte avantajado”, “afrodescendente”, “gente portadora de nanismo”, “secretária do lar”, “relação homoafetiva” e outras “pérolas”.

Respectivamente, a mulher é “feia”; o Fulano mora numa “favela”; o sujeito que não enxerga é “cego”; a pessoa é “gorda”; se a pele é escura, o indivíduo é “negro”; é muito divertido o “anão” do circo; a minha “empregada” é muito eficiente; tenho vários amigos que praticam relações “homossexuais”. 

Qual é o problema em se usar este ou aquele termo, politicamente, ou não, correto?  Por acaso, quem mora num condomínio de luxo não vive também numa “comunidade”?  A pessoa que está acima do seu peso ideal não está “gorda”, antônimo de “magra”?  Embora eu seja “branco”, de ascendência europeia, também não tenho sangue africano correndo nas minhas veias?  Se eu sou “empregado”, como professor, e tenho, portanto, um patrão, por que a pessoa que faz as tarefas da minha casa, e é paga por mim, não é a minha “empregada”?  Pessoas do mesmo sexo, que praticam atos sexuais entre si, não vivenciam uma relação “homossexual” (homo = radical grego, que significa “igual, semelhante”)?

A questão não é o vocábulo, e sim a intenção como é empregado.  É o tom que dita o preconceito.  Qualquer um pode ofender um semelhante com as palavras mais belas e doces do léxico do seu idioma.

 

 

    

 

 

Quanta divagação, para falar de uma peça, não é?!  Deu vontade e escrevi.  Faz tempo que isso me incomoda e aproveitei o “gancho” de um espetáculo de TEATRO para falar sobre isso. 


Um livro de CLAUDIA TAJES deu origem a um monólogo, na linha do besteirol (já disse que adoro esse gênero teatral), magistralmente adaptado (entenda-se: dramaturgicalizado – acabei de criar um neologismo verbal: dramaturgicalizar) pela excelente e premiadíssima dramaturga JÚLIA SPADACCINI. 

Estou falando de A VIDA SEXUAL DA MULHER FEIA, protagonizado e dirigido por OTÁVIO MÜLLER, com supervisão de AMIR HADDAD, em cartaz no Teatro dos Quatro (Shopping da Gávea).

 

 


 

 

 

OTÁVIO interpreta uma mulher extremamente feia, MARICLEIDE, porém com uma profunda autocrítica, que não se curva à ditadura da beleza padrão, com comentários espirituosos, e não desiste de ser aceita, na sociedade, como ela é, insistindo em desconstruir a máxima dos primeiros verso do conhecido e interessante poema de Vinícius de Moares, Receita de Mulher: “As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”.

 

 


 

 

A peça mostra suas aventuras amorosas, desde o primeiro beijo e a primeira transa, e suas reações e hilárias reflexões diante dos acontecimentos que marcam sua vida, partindo do próprio nascimento.  Ela faz humor com a própria feiura.  Lamenta-se de sua condição desfavorável, quanto aos padrões estéticos, mostrando-se, ao mesmo tempo, totalmente despojada de pudores, a ponto de o ator, visivelmente acima do peso, ou melhor, GORDO, aparecer, numa cena, totalmente despido, apenas com uma vagina cenográfica, cobrindo-lhe a genitália.  Engraçado, sem ser apelativo ou grosseiro.

 

 


 

 

            A personagem é feia e tem noção disso.  Autocrítica e “bullying” estão presentes, o tempo todo, no texto.  O humor vem, única e exclusivamente, da própria MARICLEIDE, que se autocritica, sem se autodestruir.  Confuso?  Explico: ela se reconhece feia, lastima-se por isso, mas não se faz de vítima.  Ou melhor, até se faz, mas não com a intenção de angariar a piedade do público, por causa de sua condição estética.  No final do espetáculo, a personagem aceita sua condição de feia como um fato irreversível e passa a enxergar, em si, qualidades, até então, não percebidas.

            O espetáculo inicia-se com o ator, ainda sem a caracterização feminina, entrando pela plateia e conversando com as pessoas, criando um ambiente de descontração e cumplicidade para (e entre) ambos.  Já no palco, depois de um tempo de bate-papo, improvisado, ele vai, então, compondo a personagem e entrando no texto do monólogo, fazendo uso de roupas e adereços previamente postos num cabideiro de pé, que compõe o cenário, este contando, ainda, com uma poltrona estampada, exageradamente colorida.  Ao fundo do palco, há um enorme telão, para receber as projeções que são inseridas no cenário. 

Para cada fase de vida Da personagem, OTÁVIO troca de roupa.  São muitas as trocas e o figurino, no todo, é muito criativo e engraçado, potencializando o aspecto ridículo da moça.

 

 


 

 

Além da mulher feia, o ator interpreta outros personagens que povoam o universo da protagonista, como sua mãe; um coleguinha de escola, por quem ela é apaixonada; a amiga da faculdade; o chefe; o irmão da amiga; e o paquera virtual, alguns deles criados pela adaptadora do texto.

 

 

 


 

 

OTÁVIO é um excelente ator, de grandes recursos, mais conhecido do grande público por causa de seus trabalhos na TV, porém merece ser aplaudido, ao vivo, num palco, especialmente neste espetáculo.  Gosto de vê-lo em papéis dramáticos (raros), mas é na comédia que ele se destaca.  Seu “timing” cômico surpreende sempre.  Sua maneira de fazer humor não é histriônica nem ele se apoia num gestual exageradamente caricato.  É “feminino quase que naturalmente”.

O espetáculo, que fez uma longa e vitoriosa carreira em São Paulo e outras cidades brasileiras, promete repetir o feito no Rio de Janeiro. 

Trata-se de uma comédia besteirol, com um texto de humor inteligente, que leva o espectador a, além de se divertir bastante, praticar uma reflexão sobre todos os obstáculos a serem transpostos por uma pessoa que veio ao mundo, contrariando os padrões severos, tradicionais e quase universais de beleza.

 

 

 


 

 

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FICHA TÉCNICA:
 
Atuação - OTÁVIO MÜLLER
Texto - CLAUDIA TAJES
Adaptação - JULIA SPADACCINI
Direção - OTÁVIO MÜLLER
Supervisão - AMIR HADDAD
Cenário e Figurino - ADRIANA SCHMIDT
Designers de Vídeo - BATMAN ZAVAREZE / NATHALIE MELOT
Assistente de direção - DANILO WATANABE
Produtor Geral – SANDRO CHAIM
Realização - PATHAVIDHATU EMPREENDIMENTOS CULTURAIS e CHAIM XYZ PRODUÇÕES
 

 

 


 

 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: até 27 de julho
Horários: quinta a sábado, às 21h30min, e  domingo, às 20h
Teatro dos Quatro - Shopping da Gávea
Rua Marquês de São Vicente, nº 52, 2º piso, Shopping da Gávea.
Telefone: 2274-9895
Duração: 90 minutos
Classificação Etária: 12 anos

 

 

 

OS CONSELHOS DA MULHER FEIA:


 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 


 

 

 

 

 

(FOTOS: DIVULGAÇÃO / PRODUÇÃO DA PEÇA e PÁGINA DO ESPETÁCULO NO FACEBOOK.)

 

 

 

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