domingo, 6 de julho de 2014


VIANNINHA CONTA O ÚLTIMO COMBATE DO HOMEM COMUM

 

 

 

(OU, SIMPLESMENTE, EM FAMÍLIA)

 


 


 

 

            Uma obra de arte, quando é boa e, realmente, “DE ARTE”, atravessa os séculos, perpetua-se, torna-se atemporal.  Assistimos, hoje, a textos escritos há mais de dois mil anos, como as grandes tragédias gregas, só para citar um exemplo, e ainda nos identificamos com as temáticas, ainda ficamos emocionados com as situações encenadas, ainda tomamos o partido dos personagens; enfim, mergulhamos na obra.

            Não se pode dizer nada diferente de um texto de ODUVALDO VIANNA FILHO ou, simplesmente, o VIANNINHA, um dos maiores dramaturgos brasileiros de todos os tempos, o qual, infelizmente, nos deixou tão precocemente, em 1974, aos 38 anos.  Vasta é sua genial obra e dela nada pode ser descartado.  É muito difícil arriscar um palpite sobre a melhor de todas as suas peças, mas eu tenho um carinho todo especial por EM FAMÍLIA, montada, pela primeira vez, na década de 70, por diretores como Sérgio Britto e Antunes Filho. 

O título original é NOSSA VIDA EM FAMÍLIA, mas não sei se foi o próprio autor, a mídia da época ou lá quem seja que resolveu encurtá-lo, o que, na minha opinião, é muito mais expressivo: EM FAMÍLIA, que sugere mais intimidade, aquilo que deve ficar só entre os mais chegados, não deve ser exposto à sociedade, embora possa acontecer na casa ao lado também.  E acontece, infelizmente, invariavelmente, fora da ficção, em muitas casas ao lado.

 

 


Elenco da peça.

 

 

 


Paulo Giardini, Beth Lamas, Isio Ghelman e Ana Velloso (sentados); Cândido Damm e Vera Novello (em pé).

 

 


Paulo Giardini, Beth Lamas e Isio Ghelman.

 

 


Isio Ghelman, Cândido Damm, Vera Novello e Ana Velloso.

 

 

            Para lembrar os quarenta anos da prematura morte de VIANNINHA e dando prosseguimento a um projeto de revitalização da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), presidida, desde 2004, pelo grande autor, ator e diretor ADERBAL FREIRE-FILHO, esse texto foi escolhido para ser o primeiro a ser encenado pelo consagrado diretor, de uma série de outros grandes importantes autores que passaram por aquela instituição e que serão os próximos homenageados.

            ADERBAL rebatizou o espetáculo com o sugestivo título de VIANNINHA CONTA O ÚLTIMO COMBATE DO HOMEM COMUM, e esse rebatismo pode ser justificado por três motivos: a inclusão do nome do autor do texto ao título é uma forma de homenageá-lo e valorizar seu trabalho; o “homem comum” simboliza cada um de nós, o lutador anônimo, que trava, no dia a dia, mil batalhas pela sobrevivência, das mais simples às mais inusitadas, inclusive a que é tratada na peça; o “conta” foi inspirado nas lendárias montagens do Teatro de Arena, do qual VIANNINHA foi um dos fundadores e um dos seus mais importantes membros, como Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes.

            É um luxo e um grande privilégio poder reunir, numa montagem, VIANNINHA, ADERBAL FREIRE-FILHO e um elenco de primeiríssima qualidade, coeso, totalmente integrado à proposta do texto, cada um defendendo, bravamente, seu(sua) personagem, rendendo, ao final de quase duas horas de ação, um espetáculo belíssimo, inesquecível.

            Infelizmente, nunca tive a oportunidade de ver, no palco, uma montagem desse lindo texto, embora o tivesse estudado, exaustivamente, numa das cadeiras (Literatura Dramática Brasileiro) do meu curso de Letras, na UFRJ, no início dos anos 70, o que fez logo com que me apaixonasse por ele.  Por outro lado, perdi a conta de quantas vezes assisti à brilhante versão cinematográfica, dirigida por Paulo Porto, com um elenco fantástico: Rodolfo Arena, Iracema de Alencar, Fernanda Montenegro, Procópio Ferreira, Elisa Fernandes, Antero de Oliveira, Odete Lara, Anecy Rocha e o próprio Paulo Porto, dentre outros.  De todos, creio que apenas Fernandona ainda vive, felizmente, para a alegria de todos nós.  Vivo à cata de um dvd desse filme e aceito doações e/ou indicações de onde encontrá-lo, se é que existe no mercado.

 

 


Ana Barroso, Isio Ghelman e Vera Novello.

 

 

 

 
SINOPSE
 
Um casal de idosos, SOUZA (CÂNDIDO DAMM) e LU (VERA NOVELLO), reúne os filhos (cinco, mas uma, MARIA, que mora em Brasília, não pode comparecer ao evento) em um almoço de domingo, na sua modesta casa, numa cidade serrana do interior do Rio de Janeiro, Miguel Pereira, onde todos foram criados, para lhes dar a notícia de que terão de deixar esta mesma casa, onde o casal viveu boa parte de sua vida, pois, após o falecimento do proprietário do imóvel, os herdeiros decidem reajustar o aluguel para um valor incompatível com a aposentadoria de funcionário público de Souza.  
Para tentar contornar a situação, o patriarca chama os filhos para uma reunião e, ainda que constrangido, pede-lhes ajuda.  A mãe não se importa com a situação de penúria dos dois e contraria o marido, ao gastar muito dinheiro para preparar os pratos preferidos de cada um dos filhos. 
JORGE (ISIO GHELMAN), o filho mais responsável e preocupado, vive num apartamento apertado, no Rio de Janeiro, junto com a esposa ANITA (ANA BARROSO) e a filha SUZANA (BELLA CAMERO ou LUÍSA ARRAES – eventual substituta).  ROBERTO – ou BETO (PAULO GIARDINI), que não sabe o que é trabalho, passa seu tempo a jogar sinuca e beber cerveja, às custas da irmã NELI (BETH LAMAS), que mora num palacete, já que o marido é bem rico, mas está em crise no casamento e não vê possibilidade de ajudar os pais com o dinheiro, que não é dela, mas do marido (faz questão de frisar). CORA (ANA VELLOSO) mora num apartamento de quarto e sala, em São Paulo, com o marido e uma filha de colo.
Tentando ganhar tempo, para buscar uma solução definitiva, os filhos decidem separar os pais temporariamente: SOUZA vai passar um tempo com CORA, em São Paulo, e LU fica com JORGE, no Rio.  Foi o máximo que conseguiram para o momento, sabedores de que não seria a solução mais adequada ao problema.  A saudade entre marido e mulher aumenta, e o conflito com os filhos também.
NELI, a filha que tinha a situação financeira mais estável entre os irmãos, e, por tal motivo, era vista, por estes, como a melhor pessoa para cuidar dos pais, promete conversar com o marido, mas antecipa que ele não concordara nem mesmo em ter a própria mãe em casa, morando com o casal.
SOUZA bate de frente com o genro e CORA, mas encontra conforto na amizade que faz com um inconsequente bombeiro aposentado, AFONSINHO (GILLRAY COUTINHO), que é, também, presidente de uma insólita associação de bombeiros, na qual introduz SOUZA, como sócio, sem que este pertença àquela classe laborial.  O velho tenta arranjar emprego, mas sua falta de habilidade e a idade avançada impedem que tenha sucesso.
No Rio de Janeiro, LU e SUZANA, avó e neta, respectivamente, se desentendem, já que esta não se conforma em perder seu quarto para a avó nem aceita as intromissões de LU em sua vida, e a compreensiva nora vê sua relação com a sogra, que era tão amistosa antes, se desgastar pela convivência.
A umidade do rio Tietê deixa SOUZA doente e, quando o médico receita um clima mais seco, CORA não perde tempo em sugerir que o pai se mude para Brasília, junto da outra filha, MARIA.  
O tempo vai passando e a triste solução encontrada é separar o casal, no fim de sua vida: SOUZA permanece em Brasília e LU fica no Rio, mas em um asilo, pois não há espaço na casa de nenhum dos outros filhos.
Confira, você mesmo, a conclusão da peça!
 

 

Apesar de ser um drama, uma vez que VIANNINHA pinta um quadro sobre o idoso no Brasil, que, bem sabemos, é muito pouco respeitado e valorizado, o autor não abre mão do humor, fino, mordaz, cáustico, quase sarcástico, imprimindo uma dimensão humana a alguns dos personagens da peça, como, principalmente SOUZA e AFONSINHO, até como uma forma de os idosos se aliviarem um pouco do grande peso que tende a aumentar no final de suas vidas.  É o que se costuma chamar de rir da própria desgraça.

Trata-se de um tema que sempre me preocupou, e me preocupa até hoje: a dignidade do ser humano na velhice, o “outono” da vida humana, quando as pessoas, como na estação em que as folhas caem, assim como os cabelos, deverão "colher os frutos" do que plantaram, durante a sua “primavera” e o seu “verão”, e, embora tenham, muitas vezes, preparado muito bem a terra, plantado a semente e se dedicado ao cultivo com o máximo carinho, cuidado e amor, nem sempre o fruto será bom.  Não se tem ideia, na peça, de como SOUZA e LU cuidaram da sua “lavoura”, mas fica a impressão de que foram “bons agricultores”.  Surge, então, uma dúvida: os filhos não podiam, realmente, cuidar de seus pais ou não o faziam porque não o queriam?  É difícil julgar, pois são todos casados, comprometidos com cônjuges e filhos, constituíram famílias...  Seria, talvez, como se tivessem assumido uma outra identidade, com a mudança dos rumos de suas vidas.  Mas o passado?  Os laços anteriores não contam?  É muito difícil mesmo discutir essa problemática e, mais ainda, chegar a uma solução para ela.

 

 


Ana Velloso, Cândido Damm e Gillray Coutinho.

 

 


Ana Velloso e Cândido Damm.

 

 

Passemos a considerações sobre alguns elementos da extensa ficha técnica:

 

Texto: ODUVALDO VIANNA FILHO (VIANNINHA) – Nada a acrescentar além de “SENSACIONAL!”

 

Concepção: ODUVALDO VIANNA FILHO e FERREIRA GULLAR

 

Direção: ADERBAL FREIRE-FILHO Trabalho magistral!!! 

Amigo de VIANNINHA, seu ídolo, e profundo conhecedor de sua obra e de seu universo, ADERBAL foi felicíssimo, como ocorre, com a maior frequência, em seus trabalhos, na escolha do elenco e de todos os profissionais que integram a equipe desta produção. 

Quanto a detalhes da direção, são tantos e tão interessantes, mas um deles me chamou muito a atenção, que é o fato de os personagens se deslocarem, em cena, segurando, firmemente, suas cadeiras e mantendo-as fixas a seus corpos, enquanto dialogam, até as colocar em outro ponto do palco e nelas se sentarem novamente.  Decodifico essa postura como uma metáfora da procura de cada um por uma solução para o problema, sem abrir mão do seu espaço, daquilo que cada um construiu, do que lhe pertence; uma busca de um caminho, de uma posição de conforto.  Façam as suas leituras. 

 

 


Atores deslocam-se, presos a suas cadeiras.

 

 

A ideia de inserir um “clown”, como mestre de cerimônia e que, também, se desdobra em três pequenos papéis secundários, foi um verdadeiro achado.  É um elemento de ligação, e de forte empatia, entre o elenco e o público.  Sua atuação também serve para amenizar, de certa forma, a forte carga dramática que o texto carrega.  Um grande acerto. 

ADERBAL repete, nesta montagem, sua genialidade em “reger” atores, com a maestria, pleonástica, de um grande maestro/mestre. 

 

 

 


Vera Novello, Kadu Garcia e Cândido Damm.

 

 


Isio Ghelman, Kadu Garcia, Cândido Damm e Vera Novello.

 

 

Elenco (em ordem alfabética) – Jamais ousaria fazer algum comentário particular acerca de cada ator ou atriz deste magnífico elenco, já que TODOS, sem a menor exceção, fazem um trabalho digno dos maiores elogios.  Embora, na trama, a categoria de protagonistas caiba ao casal idoso, do ponto de vista da importância na representação dramática, TODOS brilham em seus personagens.  Neste espetáculo, aquele(a) que está “pior” em cena merece ser adjetivado como BRILHANTE.

ANA BARROSO: ANITA

ANA VELLOSO: CORA

BELLA CAMERO / LUÍSA ARRAES: SUZANA) – No dia em que assisti ao espetáculo, o papel foi interpretado por BELLA.

BETH LAMAS: NELI

CÂNDIDO DAMM: SOUZA

GILLRAY COUTINHO: AFONSINHO

ISIO GHELMMAN: JORGE

KADU GARCIA: (CLOWN – APARECIDA, PATRÃO e MÉDICO)

PAULO GIARDINI: BETO

VERA NOVELLO: LU

 

 

 


Paulo Giardini.

 

 


Vera Novello e Cândido Damm.

 

 


Cândido Damm e Gillray Coutinho (diálogos hilários).

 

 

Diretor Assistente: FERNANDO PHILBERT

 

Direção Musical e Trilha Sonora: TATO TABORDA

 

Cenário: FERNANDO MELLO DA COSTA – Nesta montagem, o cenário é uma atração à parte.  No centro do palco, uma grande mesa de uma sala de jantar, com cadeiras.  Nas duas laterais do palco, dois grandes monturos de móveis e objetos usados, desgastados, como camas, pequenos armários, mesas, cadeias, poltronas, gavetas, baús, abajures, máquinas de escrever, aparelhos eletrodomésticos, malas... – como se fossem trastes, coisas do passado, sem a menor importância material, mas cheias de valor afetivo.

Ao fundo, apenas algumas janelas penduradas, de tipos diferentes, todas fechadas, como se não fosse possível divisar uma abertura em uma delas, que, simbolizando uma direção para a resolução do problema, levasse a um lugar hóspito, acolhedor, para o casal de idosos.  Grande trabalho de cenografia do FERNANDO!

 

 


Gillray Coutinho e detalhes de uma das laterais do palco.  A outra é semalhante.

 

 


Janelas fechadas e vazias.

  

 

Figurino: ESPETACULAR PRODUÇÕES & ARTES – NEY MADEIRA, DANI VIDAL e PATI FAEDO – Excelente figurino!  Seus criadores conseguiram reproduzir um clima que remete aos anos 70, um passado não tão distante, com predominância para cores mais escuras e pastéis, totalmente dentro do clima da peça.  São sóbrios, simples, porém elegantes os trajes criados pelos três figurinistas.

 

Iluminação: PAULO CÉSAR MEDEIROS – Impecável!

 

Programação visual: CACAU GONDOMAR e MEL LINS – Foi delas a ideia e a concepção do programa da peça, um dos mais interessantes que já vi até hoje: um tabloide de dezesseis páginas, em papel jornal mesmo, com textos atuais e notícias de 1972, tendo como fontes principais O Globo, Jornal do Brasil e Folha de São Paulo, além de outras, inclusive com anúncios classificados e cartaz teatral, também da época.  Belíssimo e exaustivo trabalho de pesquisa.  Um grande documento, para ser guardado com muito carinho e cuidado. 

 

Fotografia: NIL CANINÉ – Lindas!

 

Assessoria de imprensa: JSPONTES COMUNICAÇÃO (JOÃO PONTES e STELLA STEPHANY

 

Eu sou apaixonado por TEATRO, principalmente pelo bom TEATRO.  Isso não é novidade para ninguém que me conhece. 

Eu sou apaixonado pela obra do VIANNINHA.  Isso muita gente já sabia. 

Eu sou apaixonado pela genialidade do ADERBAL FREIRE-FILHO.  Essa revelação, eu a dividi, até agora, com poucas pessoas.  Tornou-se mais pública nesta resenha. 

Eu sou apaixonado por EM FAMÍLIA.  Não a novela do Manoel Carlos, mas a maravilhosa peça do VIANNINHA. 

Eu sou fã incondicional do trabalho de interpretação de gente como os atores e atrizes do elenco desta peça. 

Fui convidado a assistir, no Teatro SESC Ginástico, à estreia de VIANNINHA CONTA O ÚLTIMO COMBATE DO HOMEM COMUM.  E fui.

Vocês acham que eu gostei do espetáculo?  Assistam e tentem gostar mais do que eu.

 
OBRA-PRIMA!!!

 

 


Cena final da peça (impossível não chorar, e muito).

 


Aderbal, o diretor, em pleno exercício de sua função.


 

 

(FOTOS: NIL CANINÉ)

 

 


 

 

 
SERVIÇO:
Teatro SESC Ginástico (Avenida Graça Aranha, 187, Centro, 2279-4027. Quarta a domingo, 19h. R$ 20,00 (qua. e qui.) e R$ 30,00 (sex. a dom.). Bilheteria: a partir das 13h (qua. a dom.).  Até 27 de julho.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 comentários:

  1. ADORO teatro, ADORO Vianinha, ADORO suas resenhas!
    Vivaaaaaaaaaaaaaa!!!!!

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  2. Amei a peça e a sua resenha, Gilberto vc é demais! Parabéns para o TEATRO e VOCÊ <3

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Amei o espetáculo.
    Parabéns pelo blog... Sensacional!!

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