sexta-feira, 6 de março de 2015


BONITINHA, MAS ORDINÁRIA

 

 

 

(DE ORDINÁRIO, É QUE O ESPETÁCULO NÃO TEM NADA.)

 

 

 

 


 

 

 

Ainda que, infelizmente, a peça já tenha saído de cartaz, no último domingo (1º de março/2015), não poderia deixar de escrever sobre ela. 

Trata-se de BONITINHA, MAS ORDINÁRIA, texto de NÉLSON RODRIGUES, escrita em 1962, que, originalmente, tem um subtítulo: ou OTTO LARA RESENDE.  A justificativa para o apêndice ao título se dá em função de uma frase do consagrado cronista, repetida, muitas vezes, durante a peça, por alguns personagens: “Mineiro só é solidário no câncer”.

 

 


Guilherme Miranda e Elisa Pinheiro.

 

 

 

 
SINOPSE:
 
EDGARD (GUILHERME MIRANDA) é um rapaz humilde, ex-contínuo, fato este que o constrange bastante.  Procurado por PEIXOTO (ANDERSON CUNHA), genro do milionário DR. WERNECK (MARCELO ESCOREL), dono da firma onde EDGARD é, no momento, escriturário, ele recebe uma proposta que o faria mudar, radicalmente, de vida, a de se casar com MARIA CECÍLIA (JULIA SCHAEFFER), filha de WERNECK, de 17 anos, que fora currada por cinco negros.  
Pelo dinheiro, EDGARD aceita a oferta, mas tem dúvidas, por gostar de RITINHA (ELISA PINHEIRO), sua vizinha.  
Já com o casamento acertado com a moça “desonrada”, EDGARD e RITINHA vão fazer uma “despedida de solteiro” num cemitério, onde ela lhe conta o que faz para conseguir sustentar a mãe, louca, e as três irmãs: prostitui-se.
Toda a trama gira em torno das hesitações de EDGARD, até sua escolha final.
A peça trata do grande conflito existencial, quando um ser humano tem de colocar seus valores éticos e morais em confronto com as oportunidades, ainda que escusas, de ascender, social e economicamente, numa sociedade hipócrita. 
 

 

 

 


Guilherme Miranda e Julia Schaeffer.

 

 

           Quem me conhece sabe que, contrariando a maioria e me arriscando a ser “apedrejado” por alguns de seus discípulos, NÃO GOSTO DE NÉLSON RODRIGUES, morto em 1980, aos 68 anos, muito menos vejo nele o gênio que a maioria enxerga, principalmente quem é de TEATRO.

           Aliás, sempre achei que apenas uma minoria o incensa de verdade, e os outros, seguindo seus “gurus” e ídolos, fazem o mesmo, só para não ficar “out”.  Não me importo com a minha marginalidade.  Ocupo, com dignidade e convicção, o espaço que me cabe nela.

           Podem jogar pedra à vontade, que o meu escudo invisível me protege das agressões, tanto as físicas quanto as morais.

           Gosto, talvez, de 10% de suas peças, embora o considere excelente como cronista e não posso ser omisso e não dizer que me divirto bastante com a sua linguagem de época, que me traz à lembrança meus pais e meus avós falando, repetindo suas frases feitas e a gíria de seu tempo.

 

 

 


Guilherme e Elisa.

 

 


Detalhe das projeções.

 

 

           Todo esse preâmbulo é para justificar os elogios que farei ao espetáculo aqui comentado, de temporada tão curta, o qual deixou, recentemente, o Teatro III do CCBB Rio de Janeiro, esperando eu que, muito em breve, consiga acomodar-se em outro espaço, para deleite dos cariocas.  Tenho notícias de que ocupará, em agosto deste ano, o Teatro de Arena da Caixa Cultural, no Rio de Janeiro.  Esperemos, para conferir.  Certamente, irei revê-lo.

           Para eu chegar a elogiar uma peça de NÉLSON RODRIGUES, é porque a montagem está muito boa mesmo, feita de forma bastante inteligente, leve, no ponto exato, na medida certa, ou seja, aquela na qual não cabem exageros, que levam aos estereótipos.

           Além do filme, baseado na obra, já assisti a outras encenações desse texto e fiquei encantado com o trabalho que vi, feito pela CIA TEATRO PORTÁTIL.

 

 

 


 

 

 


 

 

 


 

  

           Todo o mérito do trabalho vai para a genial direção, de ALEXANDRE BOCCANERA, e para os atores (em ordem alfabética):

           ANA MOURA (DINORÁ e D. IVETE);

           ANDERSON CUNHA (PEIXOTO);

           CLÁUDIO GARDIN (SR. OSÍRIS e VELHO DO CORREIO);

           ELISA PINHEIRO (RITINHA);

           GUILHERME MIRANDA (EDGARD);

           JULIA SCHAEFFER (MARIA CECÍLIA);

           LAURA DE CASTRO (AURORA);

           MARCELLO ESCOREL (DR. WERNECK);

           MARCIO FREITAS (ALÍRIO, ARTUZINHO e COVEIRO LUSO);

           MORENA CATTONI (D. BERTA, D. LÍGIA e TEREZA).

          

           Todos se comportam de forma excelente em cena, atuações harmoniosas e convincentes, com destaques, na minha visão, para ANDERSON, ELISA, GUILHERME e ESCOREL.

           A leitura do diretor e as soluções encontradas, para um texto que se presta muito mais ao cinema, são ótimas, seguidas, com perfeição, pelo elenco.

           Saí do teatro muito feliz e recomendo esta montagem a todos, caso volte a ser encenada, gostando-se ou não de NÉLSON.

            Um dos pontos altos do espetáculo é a utilização de filmes de animação, uma tendência que vem se tornando muito frequente, em TEATRO, o que me agrada muito, principalmente se for do nível do excelente e cuidadoso trabalho que se vê nesta peça, assinado por BEATRIZ CARVALHO e DIOGO NII CAVALCANTI.

 

 

 


 

 

Outro detalhe que merece destaque é a distribuição do elenco em cadeiras, na plateia, já antes de o público adentrar a sala em que será encenada a peça, como se fizessem também parte da audiência.  Talvez tenha sido intenção do diretor, e creio não estar equivocado, passar ao público a ideia de humanização e materialização de personagens fictícios, que povoam o dia a dia de todos, que nos cercam por todos os lados e em todos os lugares, que são “gente como a gente”, já que o próprio NÉLSON afirmava, em suas entrevistas, que seus personagens são do povo, “fictícios/reais”. 

De seus lugares, os atores se deslocam até um praticável, que funciona como palco, retornando a seus assentos, ao terminar suas cenas, sendo que a própria plateia também compõe, por vezes, o espaço cênico, porque algumas falas são dadas do meio do público.  Essa simples ideia concede ao espetáculo um dinamismo que não é muito comum em textos do NÉLSON.

 

 

 


 

 

 

Considero brilhante a resolução do diretor para a cena em que o casal EDGARD e RITINHA mantém uma relação sexual dentro de uma cova, num cemitério, sendo surpreendidos por um coveiro.  Não há nada de “extraordinário” na cena, a não ser o inusitado local escolhido para a prática do amor; há, apenas, muita criatividade, em alto grau.

É bastante louvável, digno de respeito e elogios, o trabalho que a CIA TEATRO PORTÁTIL, sediada no Rio de Janeiro, vem desenvolvendo, há dez anos, pautando-se, principalmente, por um valioso trabalho de pesquisa sobre o teatro de animação e a cena contemporânea, na busca de diferentes linguagens.

 

Na ficha técnica, além dos nomes já citados, merecem destaque:

DUDA MAIA (co-direção);

GUILHERME MIRANDA (direção musical e trilha sonora);

MINA QUENTAL (cenografia);

PATRÍCIA MUNIZ (figurino);

AURÉLIO DE SIMONI (iluminação);

ANA FROTA (preparação vocal);

JOANA RIBEIRO e MARITO OLSSON-FORBERG (preparação corporal e direção de movimento);

MARCIO FREITAS (assistente de direção);

PATRÍCIA DELVAUX (assistente de figurino);

MONA MAGALHÃES (maquiagem);

ROSSINI MALTONI (desenho de som);

JORGE NETO (edição de vídeos);

RODRIGO CASTRO (fotos);

BIANCA SENNA (assessoria de imprensa - Astrolábio Comunicação);

ALESSANDRA AZEVEDO (produção executiva);

CIA TEATRO PORTÁTIL (realização);

BOCCANERA PRODUÇÕES ARTÍSTICAS (produção).

 

 

 


Marcello Escorel, num de seus melhores momentos como ator.

 

 


 

 

 


Aplausos (MERECIDOS) e agradecimentos.

 

 

 

Aguardemos a volta do espetáculo!

 

 

 

 

(FOTOS: RODRIGO CASTRO)

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