sexta-feira, 22 de maio de 2015


EUGÊNIA

 

 

(UM BOM EXERCÍCIO PARA TESTAR UMA ATRIZ.)

 

 

 

 

 


 

 

 

            Sempre considerei um grande “atrevimento”, no sentido de “coragem, ousadia”, alguém decidir encarar um palco sozinho, num monólogo.  Chamar a si a responsabilidade de, sozinho(a) – não solitário -, em cena, contar uma história,  divertindo e/ou emocionando o espectador, é um grande teste para quem escolhe o ofício de representar.  E, dependendo do texto, passar nessa prova pode se revestir de um maior ou menor grau de exigência do(a) testado(a).

           

GISELA DE CASTRO escolheu realizar essa prova e foi aprovada, com louvor!!!

           

O monólogo EUGÊNIA, texto de MIRIAM HALFIM, com direção de SIDNEI CRUZ, interpretado por GISELA DE CASTRO, em cartaz até 31 de maio (2015), no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), é um texto que exige muito de uma atriz decidida a viver a personagem.

Não que seja um grande texto, em termos de dramaturgia, quase inexistente, aliás; é razoável, com algumas passagens excelentes, que possibilitam, à atriz, explorar sua grande capacidade interpretativa.  Não se pode, porém, negar, absolutamente, que o texto não seja fruto de uma pesquisa séria e profunda, de sua autora, nos meandros da nossa História.  É muito dinâmico e tem de ser interpretado por uma atriz que seja aplicada e competente no que faz, quer na exploração do corpo (muita elasticidade e versatilidade), quer nas variações faciais, quer nas modulações da voz, o que não chega a ser um grande problema para alguém como GISELA, que já vem acumulando outras boas interpretações e que desenvolve um excelente trabalho, na pele dessa mulher, que fez parte da vida e da intimidade de D. João VI.

 

 

 


 

 

 

Mas qual o propósito da peça e quem foi a personagem-título?

 

Creio não ter sido outro o desejo da autora do texto, que não o de, apenas, nos apresentar a essa mulher (ou ela a nós), a qual pode/deve ter feito, em algum momento, a alegria de D. João, ao contrário de sua esposa legítima.

 

Falar dos casos extraconjugais de Carlota Joaquina, a esposa de D. João VI, seu (mau) caráter - depravada, infiel, cruel, a despeito das circunstâncias que a obrigaram a desposar o, então, Príncipe Regente, quando ainda menina, aos dez anos de idade – já não causa nenhum espanto à grande maioria das pessoas, não é nenhuma novidade.  Isso já foi mostrado em grandes obras artísticas, peças e filmes, com destaque para o magnífico musical Império, de Miguel Falabella e Josimar Carneiro, e Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, de Carla Camurati. 

Mostrar, entretanto, um outro lado de D. João, além da já tradicional figura do bonachão e comilão, sempre atrelado a uma coxa de frango, aguça a curiosidade do receptor da história.  Mais ainda, quando revela um lado adúltero, até então, só atribuído à Megera de Queluz (Carlota Joaquina de Bourbon).

 

Pois bem, EUGÊNIA José de Menezes, “morta, porém ótima”, é o nosso foco de atenção.

 

 

 


Prazer!  Eugênia!

 

 

 

 
SINOPSE:
 
EUGÊNIA José de Menezes, filha do Governador de Minas Gerais, no final do século XVIII, engravidou de D. João VI e, para evitar escândalos, foi banida da corte.
Ela “volta”, agora, do mundo dos mortos, para relatar a sua versão dos fatos, utilizando ganchos para ironizar a atual política no Brasil.
 

 

 

 

            Por uma sinopse tão curta, talvez não possa o leitor avaliar o que se passa em 55 minutos de espetáculo, o primeiro monólogo na carreira de GISELA DE CASTRO.

           

Segundo o “release” enviado pela produção/assessoria de imprensa da peça, aqui adaptado e comentado:

 

 

 
A partir de uma ampla pesquisa histórica, a escritora MIRIAM HALFIM criou o texto, por meio do qual EUGÊNIA “sai do túmulo” e conta, com muito humor (até negro) e ironia (chega ao escracho), sobre seu envolvimento com o Príncipe Regente de Portugal.”
 
            COMENTÁRIO: Como já disse, o texto é fruto de uma profunda e muito bem elaborada pesquisa, o que lhe atribui pontos positivos.  Misturar elementos atuais aos fatos ocorridos à época da personagem, provocando analogias com a política nacional vigente, com tudo o que há de errado nela, também me agrada muito.  Se isso não ocorresse, possivelmente o espetáculo pudesse se tornar monótono, exatamente o oposto do que se vê em cena. 
A ideia de, surrealisticamente, “ressuscitar” a falecida, para que ela mesma faça o relato de sua peripécias, é muito boa.
 

   

 

 


Carnavalizando.

 

 

 

 
GISELA, na pele da personagem EUGÊNIA, que emerge do mundo dos mortos, para contar sua versão dos fatos históricos, revela os meandros da nobreza, as farsas dos governantes e as artimanhas para abafar um escândalo real: do romance entre a jovem e o príncipe, nasce uma bastarda, que vive, por vários anos, no claustro de um convento distante.
 
COMENTÁRIO: Parece um enredo folhetinesco, mas é real; trata-se da narrativa de um fato que ocorreu e que, tornado público, subverte o imaginário coletivo popular que se tem de D. João.  Serve para desfazer um certo mito e mostrar o lado humano de um ser que viveu à margem de seus reais desejos: não queria ser rei, não escolhera Carlota como esposa, não tinha o desejo de transferir a Corte para o Brasil, fugindo de Napoleão Bonaparte...
 

 

 

 

 


Bela, atraente e sensual!

 

 

 

 

 
A peça pretende discutir o papel da mulher na formação da identidade brasileira, levantando questões de gênero ao longo da história, mas lançando um olhar contemporâneo sobre a mulher do final do século XVIII e início do XIX.
 
COMENTÁRIO: Sinceramente, não concordo com essa parte do “release”, pois não consegui enxergar tal pretensão no texto.  Ou será que faltaram elementos, para que isso pudesse ser entendido dessa forma?  Ou será a minha pouca capacidade de entendimento?
Talvez fosse melhor dizer (não com “pretende”) que a peça mostra que é histórica, e bem antiga, a questão da submissão da mulher, a maneira como ela é tratada, na sociedade brasileira, de uma forma geral, em relação ao jugo do macho.  Mas vejo isso apenas como mais um elemento focado no texto, porém nada que mereça grande destaque nesta peça, especialmente.  Caso esteja errado, faço, aqui, o “mea culpa”.
 

  

 

 

 


Cá estou!

 

 

 

 
“Quem foi EUGÊNIA – bela, sedutora, amada, usada, grávida, confinada em um convento?
O intuito é revelar o feminino oculto e velado dentro de uma sociedade machista.
O que significava/significa ser esposa, amante, concubina, mãe, freira, escrava, prostituta, bastarda?
O Brasil é uma nação de Bastardos?”
 
COMENTÁRIO: A resposta à primeira pergunta do trecho anterior, do “release”, é muito bem, e completamente, respondida na peça, por conta do excelente desempenho de GISELA DE CASTRO.
“Revelar o feminino oculto e velado dentro de uma sociedade machista” não chega a ser nada de inovador na dramaturgia brasileira.  Isso, portanto, não conta muito.
A resposta à penúltima pergunta do bloco não chega a ser muito diferente da que seria dada hoje.  No caso de EUGÊNIA, o problema ganhou maiores dimensões, porque o autor da desonra era o homem mais poderoso do Império (Ou seria Colônia?  Não vem ao caso.).
Quanto à última pergunta, acho um pouco exagerado afirmar (não que esteja sendo afirmado no “release”) que somos uma “nação de bastardos”, a despeito de haver vários casos disso ao longo da História do Brasil, que se estendem até a Nova República.
Se tomado, porém, o vocábulo no sentido de “espúrio”, “ilegal”, “ilícito”, além de outras acepções afins, o título nos cabe totalmente.
  

 

 

 


“Estou morta e estou ótima!”

 

 

 

 
“A ideia é revelar, ao público, a história inédita dessa mulher – cujo enredo conta muito da História do Brasil, vista por de trás dos panos.
A história real é um verdadeiro folhetim, que, na peça, vira uma saga, recheada de sedução, com espírito de aventura, cuja discussão perpassa tanto pelo trágico como pelo cômico.”
 
COMENTÁRIO: Praticamente, nada a acrescentar.  A saga de EUGÊNIA apresenta, em proporções diferentes e com igual brilho, momentos que remetem à reflexão, mais sérios, com outros que provocam risos, na maior parte do tempo, com bom humor, sem desperdícios.
 

 

 

 


Eugênia, em três momentos.

 

 


 

 

 


 

 

 

            Repetir que o trabalho de interpretação, de GISELA DE CASTRO é excelente não é perda de tempo, e sim o merecido reconhecimento por uma tarefa de difícil execução.  Só chamo a atenção para um pequeno detalhe que, se corrigido, poderia produzir um melhor efeito cênico.  Falo da possibilidade de a atriz variar um pouco a entonação e o volume de voz, de acordo com as situações.  Por vezes, senti-a um pouco monocórdia.

 

            Quanto à direção, de SIDNEI CRUZ, ela muito me agrada, com destaque para a liberdade que concedeu à atriz, para explorar todo o espaço cênico – e, aí, conta, também, a ótima preparação corporal, de MORENA CATTONI. 

GISELA, por vezes, em cena, parece uma artista circense, uma contorcionista; um “azougue”, como dizia a minha avó Leonor.

 

 

 


Excelente trabalho corporal.

 

 

 


Tentação.

 

 

 

            Como o TEATRO comporta vários setores, para a montagem de uma peça, entretanto todos precisam trabalhar em conjunto, na base da troca, este espetáculo é uma bela prova disso, se considerarmos o trabalho da atriz, a direção, o engenhoso, criativo e fantástico cenário, de JOSÉ DIAS, mais a iluminação, de AURÉLIO DE SIMONI e os belos, funcionais e, também, criativos figurinos, adereços e “design de aparência” da atriz, assinados por Samuel Abrantes.

 

            Esse conjunto de fatores é responsável, por exemplo, por cenas marcantes, como a “ressurreição” de EUGÊNIA, primeira cena da peça, que causa grande impacto na plateia.  A ideia de, antes de se apresentar ao público, ir atirando, desordenadamente, no palco, de dentro do seu túmulo, caixas de diversos tamanhos, como se fossem suas memórias vindo à tona, é, simplesmente, genial.

 

 

 


E agora, eu!

 

 


Desencaixotando as memórias.

 

 

 


Exibicionista.

 

 

            Outra cena que merece ser aplaudida é aquela em que a atriz ingere quase um litro de água, de uma só vez, contida numa garrafa quadrada, e, quando a plateia fica se perguntando o porquê daquilo, a atriz nos surpreende, utilizando a garrafa, agora vazia, como se um barco fosse, a navegar por rios e mares, estes, as bordas da caixa/túmulo.  Tudo, é obvio, acompanhado de um texto pertinente à cena.

 

 

 


 


 

 

 

            Também é muito criativa, e bastante engraçada, a cena em que EUGÊNIA canta e dança um “funk”.  Aproveito, aqui, para fazer um elogio à direção musical, composição e execução, de BETO LEMOS.

 

            Ao final da peça, disse-me GISELA que sua pequena filha, de seis anos, comentando a peça, saiu-se com esta pérola: “Pena que não tem ninguém pra brincar com você!”, referindo-se, é lógico à falta de atores para contracenar com a mãe.

            A visão lúdica do TEATRO, que a pequena Lara e todas as crianças têm, de que aquilo é uma grande brincadeira, ainda que nós, adultos, saibamos da sua seriedade, passa à plateia, em EUGÊNIA, mesmo que GISELA tenha de “brincar sozinha em cena”.

 

            Foi uma gratíssima surpresa ver esse espetáculo, que recomendo, neste final de temporada, esperando que possa se transferir para outro espaço, mais conhecido e acessível que o Teatro Maria Clara Machado, que mais parece um cemitério “administrado” pelo “governo” municipal.

 

 

 


 

           

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto - Miriam Halfim
Direção - Sidnei Cruz
Interpretação - Gisela de Castro
Direção musical, composição e execução - Beto Lemos
Cenário - José Dias
Figurino, Adereços e Design de Aparência da Atriz - Samuel Abrantes
Iluminação - Aurélio de Simoni
Direção de Produção - Maria Alice Silvério
Assistente de Direção - Viviane Soledade
Assistentes de Produção - George Luis Prata, Anderson e Carolina Godinho
Assistente de Figurino - Rosa Ebee
Preparação Corporal - Morena Cattoni
Preparação Vocal - Verônica Machado
Fotos e Programação Visual - Thiago Sacramento
Assessoria de Imprensa - Armazém Comunicação
 

 

 

 

 


 

 

 

 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: 11 de abril a 31 de maio de 2015.
Horário: sexta-feira, sábado e domingo, às 20h30min.
Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea)
Endereço: Rua Padre Leonel Franca, 240, Gávea
Tel: 2274-7722 
Ingressos: inteira R$30,00, meia R$15,00
Capacidade: 120 pessoas
Duração: 55 min
Classificação: 14 anos
Gênero: Comédia
 

 

 

 

(FOTOS: THIAGO SACRAMENTO.)

 

 

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