quinta-feira, 13 de agosto de 2015


QUEIME
ISSO
 
 
(SUCESSO ATRAI SUCESSO.)
 
 
 
 
 
 
 
            Tenho uma inveja “branca” de quem consegue inventar histórias interessantes, criar tramas que são capazes de prender a atenção das pessoas e despertar, de alguma forma, o interesse e a admiração delas.
 
            “Quando eu crescer”, quero ser LANFORD WILSON, o autor do texto da peça “QUEIME ISSO” (“BURN THIS”), traduzida, de forma mais que competente, por RICARO VENTURA, e que acabou de estrear no Centro Cultural da Justiça Federal (ver SERVIÇO).
 
 
Lanford Wilson, o autor.
 
 
            Qualquer espetáculo teatral que pretenda fazer sucesso, de público e de crítica, precisa partir, primeiramente, de um bom texto, de uma boa história, que seja muito  interessante.  Lendo a sinopse de “QUEIME ISSO”, a pessoa não tem ideia da trama que será contada no palco, como, aliás, ocorre na maioria das vezes.
 
 
 
SINOPSE:
 
A peça se desenvolve após o funeral de ROBBIE (não aparece em cena), um jovem bailarino “gay”, que morreu afogado, junto com o seu namorado, em um acidente de barco.
  
Em cena, estão os companheiros de apartamento do morto: ANNA (KARINE CARVALHO), sua parceira de dança, bailarina e aspirante a coreógrafa, mulher sensível, e LARRY (ALCEMAR VIEIRA), publicitário e também “gay”.
 
Logo depois, chegam ao “loft” o roteirista BURTON (CELSO ANDRÉ), namorado de ANNA, e PALE (TATSU CARVALHO) o irmão de ROBBIE, que é gerente de um restaurante sofisticado.
 
Os quatro tentam enfrentar a tragédia que compartilham e dar um sentido às suas vidas e relações.
 
 
 
 
 
 

            Viram?  Isso seria suficiente para atrair tanto um espectador a um teatro?  Se, entretanto, você assistir a este espetáculo, não só tenho a certeza de que gostará de revê-lo, como também o recomendará a seus amigos, e até aos inimigos, para que estes lhe agradeçam a indicação e se tornem seus amigos.
 
            Podemos dizer que o texto aborda a experiência de encontros e desencontros de  quatro personagens, movidos pelas consequências de uma tragédia comum a eles, qual seja a morte de ROBBIE, cada um vivenciando o seu luto particular, levantando questões existenciais, a partir das quais vão sendo desvendados desejos reprimidos e mistérios não esclarecidos.  No fundo, no fundo, há, por parte de cada personagem, um constante e determinado desejo de superação da dor da perda e dos preconceitos incrustados em seus corações.  O autor sabe dosar, com maestria, a tensão que envolve todos os relacionamentos com um tipo de humor, principalmente via LARRY, o personagem de ALCEMAR VIEIRA, que leva o espectador a rir, até a dar boas gargalhadas, após o que, ficar se questionando: “Estou rindo de quê?”.

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No setor de telenovelas, ainda que tenham surgido, nos últimos tempos, autores de relevada competência e, por isso mesmo, admirados e festejados pelo público e pela mídia, durante muitos anos, ouvi, nos bastidores, a seguinte afirmação: “Ninguém escreve diálogos melhor que Gilberto Braga.  Em compensação, Janete Clair é insuperável na invenção de histórias.”.  Passei a prestar atenção a isso e acabei por concordar com tal máxima.  LANFORD WILSON seria uma mistura de Janete Clair com Gilberto Braga do hemisfério norte, por conseguir engendrar um enredo tão bom, contado em diálogos precisos e naturais, inteligentemente construídos, precisos, sem gorduras.
 
            No TEATRO, que é uma arte do coletivo para o coletivo, ou seja, ninguém faz TEATRO sozinho nem para si mesmo, o ponto de partida para o sucesso – reitero - é, sem dúvida nenhuma, um bom texto, uma boa história.  Nesse quesito, e por outros mais, “QUEIME ISSO” está fadado ao sucesso.
 
            O texto, escrito em 1987, é inédito no Brasil, assim como também é a primeira vez que LANFORD WILSON é montado entre nós, se não me equivoco.  Trata-se de um dramaturgo americano, falecido há tão pouco tempo, em 2011, às vésperas de completar 74 anos.  É considerado um dos fundadores do movimento teatral Off-off-Broadway, recebeu um Prêmio Pulitzer de Drama, em 1980, por “Insensatez de Talley”, tendo sido um dos primeiros dramaturgos a fazer a escalada Off-off-Broadway > Off-Broadway > Broadway.  Também foi eleito para o Salão Theater of Fame, em 2001, e para a Academia Americana de Artes e Letras.  Recebeu vários prêmios, como dramaturgo, tendo sido, inclusive indicado para o Tony.
 
 
 
Anna (Karine Carvalho) e Burton (Celso André).
 
 
A versão original, “BURN THIS”, foi montada, na Broadway, em 1987, com John Malkovich, Joan Allen, Lou Liberatore e Jonathan Hogan.  Na ocasião, Joan Allen ganhou o Tony de melhor atriz e Lou Liberatore recebeu indicações para o Tony e Drama Desk Award, premiação à qual John também foi indicado. 
 
Em 1990, o espetáculo ganhou uma nova versão, esta encenada no West End, em Londres.  Voltou à cena em Nova York, em 2002, no Union Square Theatre, com Edward Norton, Catherine Keener, Ty Burrel e Dallas Roberts.  Pelo papel, Norton ganhou o Obie Award, famoso prêmio do circuito Off-Broadway. 
 
            Não é só nesta peça que a problemática criada sobre a chamada identidade sexual, seu tema central, está presente na obra de WILSON.  Isso também ocorre em, pelo menos, mais três outras do dramaturgo, o que parece ter sido tal temática de grande importância e preocupação para ele.
 
            Seus diálogos são marcados por autenticidade, coragem, naturalidade e simplicidade.  São diretos, curtos, ágeis e cheios de verdade, muitas vezes sobrepostos uns aos outros, sem que isso atrapalhe a compreensão do texto, pela sutileza artesanal empregada em sua criação.
 
            No que tange aos temas, é frequente, em suas obras – e, aqui, não é diferente -, vê-lo tratar da ruptura dos padrões familiares da típica família americana; da dor de uma perda; do amor, vivido sob as mais diversas óticas; da solidão; da amizade; do conceito de sanidade e, como já foi dito, do homossexualismo, dentro da identidade sexual, sendo que esta, indiretamente, se relaciona às outras temáticas mencionadas.
 
 
 
Anna e Pale (Tatsu Carvalho).
 
 
            Seus personagens são muito bem acabados, definidos, verdadeiros estereótipos e dignos representantes da sociedade, alguns dos quais marginalizados, como os “gays”.  A propósito, WILSON tornou-se célebre, também, por ter sido um dos primeiros dramaturgos a colocar, em seus textos, “gays” e lésbicas, numa época em que isso ainda era um grande tabu, principalmente nos Estados Unidos.
 
            Como grande admirador e tradutor de Anton Tchékhov, LANFORD WILSON guarda uma certa influência de seu ídolo.  Algumas das referências de um teatro realista/naturalista são postas em cena, magistralmente, pela brilhante direção de VICTOR GARCIA PERALTA, como o palco aberto, cru, sem tapadeiras, escondendo as coxias, e falas que são dadas fora de cena, como extensão do pequeno palco do teatro do CCJF.
 
            Um ponto bastante instigante no texto de “QUEIME ISSO”, e que muito me agrada, é o fato de o autor deixar, no ar, determinados detalhes, para que o público tire suas próprias conclusões, o que pode gerar ótimas reflexões e discussões no bar mais próximo ao teatro, tais como a verdadeira versão da morte de ROBBIE e seu namorado (Teria sido mesmo um “acidente”?) e o final aberto, valorizado pela direção da peça, após a conclusão do último diálogo entre ANNA e PALE.  Eles terminam suas falas, fazem uma pequena pausa e insinuam um caminhar, um em direção ao outro, deixando, à interpretação de cada espectador, os destinos dos dois: juntos ou não? 
 
 
 
(Da esquerda para a direita) Alcemar Vieira, Karine Carvalho,
Tatsu Carvalho e Celso André.
 
 
            “QUEIME ISSO” é um espetáculo sobre preconceito e aceitação, sobre amores e desamores, sobre perdas e superações, sobre derrotas e conquistas, sobre o ser e o querer e vir a ser, sobre pessoas solitárias, que vivem em mundos, aparentemente, opostos, porém, no fundo, tão parecidos.  O texto é crítico e sutil, não deixando de lado a marca mais conhecida do autor, de fazer diálogos simultâneos.
 
            Com relação à ficha técnica do espetáculo, além do brilhantismo do texto, de LANFORD WILSON, e de sua ótima tradução, assinada por RICARDO VENTURA, e da excelente direção de VICTOR GARCIA PERALTA, um cidadão do mundo, radicado, felizmente, no Brasil, um grande destaque desta montagem está na reunião de quatro profissionais de gabarito, para formar o elenco da peça.
 
 
 
Elenco.
 
 
           
KARINE CARVALHO (ANNA) inicia o espetáculo de uma maneira que, absolutamente, representa um indício do que será o seu excelente trabalho ao longo de 100 minutos de ação.  A única restrição que faço à direção da peça diz respeito à longa cena em que a atriz adentra o palco, retornando do funeral do amigo, o que será revelado logo depois, e fica, em silêncio, andando pelo espaço cênico, fumando e bebendo, descendo as escadas, para o andar de baixo, retornando à cena, durante todo o tempo que dura uma canção de fundo.  Acho um pouco longa e cansativa a cena.  Tirante isso, a atriz tem uma excelente atuação, revelando surpresas na conduta de sua personagem.  ANNA, que é bailarina, aspira a voos mais altos, numa carreira de coreógrafa, porém o receio de um fracasso freia suas pretensões, até que a morte do amigo estimula-a, desafia-a.  E ela se rende a tudo e tem sua vida transformada.  Namorada de BURTON (CELSO ANDRÉ), sente-se insegura, quanto a seus sentimentos por ele, abalada que fica com a chegada de PALE (TATSU CARVALHO), iniciando-se, aí, uma espécie de triângulo amoroso.  Muito bom o trabalho de KARINE!
 
 
 
Karine Carvalho.
 
 
            TATSU CARVALHO é PALE, irmão de ROBBIE, que vai ao apartamento que este dividia com ANNA e LARRY, para pegar os poucos pertences do falecido.  É homofóbico convicto, assim como toda a família do morto (Todos não queriam saber da existência de LARRY.); um personagem bruto, a ser dilapidado, extremamente grosso, truculento, agressivo e, aparentemente, desprovido de qualquer sentimento positivo.  Trabalha, há muitos anos, num restaurante, onde vive acomodado como gerente e, às vezes, dublê de chefe de cozinha, sem coragem de sair da sua zona de conforto.  Casado, com filhos, mas com um casamento a equilibra-se no arame.  Há um abismo enorme entre ele e ANNA, no que se refere a tudo o que envolve sentimentos e emoções, visões de mundo, entretanto os dois se encontram na cama.  Uma atração física os une, talvez pela dificuldade de digerir a morte de ROBBIE.  Assim como em “Um Estranho no Ninho”, peça que ainda pode ser vista, de 6ª feira a domingo, no Teatro Vannucci (Shopping da Gávea – Rio de Janeiro), na qual é o protagonista, TATSU atua com muita garra e talento, valorizando o personagem.
 
 
 
Tatsu Carvalho (com Karine).
 
 
            CELSO ANDRÉ dá vida a BURTON, o personagem – não o ator - menos marcante na trama.  Trata-se de um roteirista, rico de berço, que não precisa de seu trabalho para sobreviver, passando por um momento de crise, em se tratando de criatividade, não muito convicto de seu talento.  Amigo dos três que dividiam o apartamento, incluindo o falecido, era pretendido por ANNA, até que, após a morte de ROBBIE, torna-se namorado dela, numa relação não muito convincente e completamente abalada, fragmentada e “destruída” (?), com a intromissão de PALE.  O ator faz um trabalho convincente, dentro das não tão generosas possibilidades oferecidas pelo personagem.
 
 

Celso André.
 
 
            E, por último, mas não menos importante, temos ALCEMAR VIEIRA, um grande ator, tanto em papéis dramáticos como cômicos, e que, aqui, mais uma vez, revela todo o seu enorme talento, vivendo LARRY, um publicitário “gay”, denotativa e conotativamente falando.  Interpretar um personagem “gay”, via de regra, é um passaporte para o ridículo, quase sempre por conta do tom caricato, estereotipado, como, geralmente, são interpretados.  ALCEMAR, no entanto, faz um LARRY descontraído, muito irônico, ácido em suas intervenções e piadas inteligentes, expansivo, perspicaz, solidário, sincero, extremamente engraçado e, paradoxalmente, sem exageros, a não ser nos gestos e entonações, que só fazem acrescentar destaque ao personagem e conquistar a simpatia da plateia.  Pode-se dizer que participa de todas as cenas, mesmo quando ausente ou, quando presente, calado.  Por várias vezes, peguei-me prestando mais atenção a ele, que não participava ativamente da cena, do que aos atores actantes, por mais que fossem boas as atuações.  Um trabalho inesquecível!
 
 

Alcemar Vieira.
 

Alcemar, calado, mas "participando" da cena.
   
 
            Como se trata de uma produção modesta, nem por isso deixando de ser EXCELENTE, a falta de recursos leva a um cenário simples, porém perfeitamente adequado ao “way of life”, ao estilo dos três moradores daquele apartamento.  Seu autor é o consagrado arquiteto MIGUEL PINTO GUIMARÃES, um amante do TEATRO, que cria cenários “por hobby”, mas que poderia fazer disso sua segunda profissão, sempre com muito bom gosto e precisão.
 
            Por outro lado, a despeito do pouco montante investido na produção, mais uma espécie de “ação entre amigos”, são ótimos, e de muito bom gosto, os figurinos, de ALESSANDRA PADILHA.
 
            Com relação à iluminação, de FELIPE LOURENÇO, como toda a ação se passa numa sala residencial, a pedido do diretor, foi feita uma “luz de casa”, quase de serviço, sem  exageros nem variações, muito bem elaborada.
 
            Gosto da trilha sonora, de MAURO BERMAN e da direção de movimento, de TONI RODRIGUES. 
 
 
 
Pale desafiando.
 
 
Momento tensão.
 
 
            Há pessoas que parecem ter um tino, para saber como se faz uma escolha.  Como ator e, principalmente, produtor, TATSU CARVALHO é uma dessas pessoas.  Depois da brilhante montagem de “Um Estranho no Ninho”, feita com muita garra, sem patrocínios, contando com o apoio de um grupo de abnegados, dedicados e talentosos amigos, TATSU se lança, ao lado de ANA BEATRIZ FIGUEIRAS, em sua segunda produção, nos mesmos moldes da primeira, com um espetáculo digno de todos os elogios.
 
 
 
 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: “Queime Isso” (Burn This), de Lanford Wilson.
 
Direção: Victor Garcia Peralta.
 
Direção de Movimento: Toni Rodrigues.
 
Tradução: Ricardo Ventura.
 
Cenário: Miguel Pinto Guimarães.
 
Figurinos: Alessandra Padilha.
 
Iluminação: Felipe Lourenço.
 
Design Gráfico: Ana Andreiolo.
 
Trilha Sonora: Mauro Berman.
 
Atores: Tatsu Carvalho, Karine Carvalho, Alcemar Vieira e Celso André.
 
Produção: Tatsu Carvalho e Ana Beatriz Figueras.
 
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco - Assessoria em Comunicação.
 
 
 
 
Anna e Burton: uma relação "quase" estável.
 
 
Anna e Pale: uma relação conflituosa (?).
 
 
O amor está na pele (?).
 
 
 
 
SERVIÇO:
 
Temporada: Até 17 de setembro.
 
Dias e Horário: 4ªs e 5ªs feiras, às 19h.
 
Local: Centro Cultural Justiça Federal - Av. Rio Branco, 241 - Centro - Rio de Janeiro (Cinelândia).
 
Tel.: 21 3261 2550.
 
Bilheteria: 4ªs e 5ªs feiras, das 17h às 19h.
 
Ingressos: Inteira: R$30,00; Meia Entrada: R$15,00.
 
Classificação: 14 anos.
 
Duração: 100 minutos.
 
Capacidade: 141 lugares.
 
Gênero: Comédia dramática.
 
 
 
 
(Foto: Leonardo Torres)
Aplausos.  Bravo!
 
 
 
(FOTOS: FELIPE DINIZ
e
RICARDO BRAJTERMAN.)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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