quinta-feira, 3 de setembro de 2015


CARMEN,

DE

CERVANTES

 

 

(MAIS DO QUE UMA ÓTIMA IDEIA,

UM EXCELENTE ESPETÁCULO.)

 

 


 

            O mínimo que se pode dizer sobre este espetáculo é que ele é muito criativo.  Ou melhor, criativos foram MARCOS ARZUA e FÁBIO ESPÍRITO SANTO, idealizadores do projeto e produtores associados, também autores do texto, baseado num conto homônimo de MARCOS.

 

            O espetáculo encerrou sua segunda temporada, no último dia 26 de agosto (2015), no Teatro Eva Herz, depois de uma primeira, muito bem sucedida, no Teatro do SESC Tijuca.

 

            Por falta de tempo e oportunidade, não havia escrito, ainda, sobre a peça, mas seria injusto, se não o fizesse, uma vez que não poupo esforços para escrever sobre os espetáculos que me agradam.

 

            Lendo a sinopse da peça, confesso que fiquei bastante curioso e interessado por assistir a ela, já que muito me agrada a história da cigana CARMEN, além de CERVANTES morar no meu coração, como um dos meus escritores preferidos, sendo que minha paixão pelo personagem D. Quixote ultrapassa as raias da normalidade.  Talvez as nossas loucuras e os nossos sonhos sejam gêmeos:

 

 

 
“Sonhar mais um sonho impossível;
Lutar, quando é fácil ceder;
Vencer o inimigo invencível;
Negar, quando a regra é vender.
Sofrer a tortura implacável,
Romper a incabível prisão,
Voar num limite improvável,
Tocar o inacessível chão.
 
É minha lei, é minha questão
Virar este mundo, cravar este chão.
Não me importa saber
Se é terrível demais,
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz.
 
E, amanhã, se este chão que eu beijei
For meu leito e perdão,
Vou saber que valeu
Delirar e morrer de paixão.
 
E assim, seja lá como for,
Vai ter fim a infinita aflição,
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão”.
 
(“The Impossible Dream” – “O Sonho Impossível” – do musical “O Homem de La Mancha”, versão de Chico Buarque e Ruy Guerra).
 

 

 

 


Carmen (Ana Paula Bouzas) e Cervantes (Samir Murad).

 

 

              O texto é inédito, no TEATRO, e apresenta o encontro ficcional de dois grandes nomes da literatura mundial: a personagem CARMEN e o escritor MIGUEL DE CERVANTES SAAVEDRA. 

 

No elenco, ANA PAULA BOUZAS (CARMEN), SAMIR MURAD (CERVANTES), CIRO SALES (JOSÉ e COBRADOR) e ANDREZA BITTENCOURT (RIVAL e CATALINA).

 

 

 


O elenco: (da esquerda para a direita) Andreza Bittencourt,

Ciro Sales, Ana Paula Bouzas e Samir Murad.

 

           

Fornecida pela assessoria de imprensa, com adaptações, aqui está a sinopse do espetáculo:

 

 

 
 
SINOPSE:
 
O que aconteceria, se o famoso escritor e poeta espanhol MIGUEL DE CERVANTES (1547-1616) encontrasse a personagem CARMEN, a mítica cigana fatal do autor francês Prosper Mérimée (1803-1870)?
  
Foi a partir dessa genial ideia que MARCOS ARZUA escreveu o conto “Carmen, de Cervantes”, que foi lançado no livro “O quilombo Branco” (2013).
 
O enredo utiliza-se das histórias de dois grandes nomes da literatura mundial.  De um lado, está uma personagem vibrante e envolvente, a cigana CARMEN; do outro, o consagrado autor espanhol MIGUEL DE CERVANTES.
 
Livres, no tempo e no espaço, eles se encontram e modificam suas trajetórias.  Em cena, CARMEN quer se reinventar, não quer mais ser a cigana analfabeta, que usa a sensualidade e a magia, para conquistar e enganar os homens.  Ela procura CERVANTES e pede-lhe que reescreva a sua história.
 

 

 

 


Carmen “procura” Cervantes.

 

 

“O espetáculo fala do poder do ser humano de se reinventar, de querer ser novo e melhor.  Esses dois personagens estão atrás disso”, explica o diretor.

 

  

            Muitas pessoas pensam que “CARMEN”, uma ópera, em quatro atos, do compositor francês Georges Bizet e libreto de Henri Meilhac e LudovicHalévy traz uma história original.  Ocorre, porém, que ela foi baseada numa novela, escrita, em 1845, pelo escritor francês Prosper Mérimée.

 

            A trama original de Mérimée se passa na Sevilha, Espanha, do século XIX. CARMEN é uma cigana, analfabeta, que trabalha numa fábrica de cigarros.  Sua beleza quente e extrema sensualidade levam-na a seduzir os homens, especialmente o inocente cabo JOSÉ, um homem honesto, decente, que se torna completamente obcecado por ela.  Por esse amor, ele perde a farda e se torna seu amante, até virar um fora-da-lei, um marginal, a ponto de fazer parte de um bando de contrabandistas, amigos da bela cigana.  Pela liberdade de amar, Carmen, numa de suas muitas atitudes levianas, acaba desprezando e abandonando o pobre amante, para ficar com um famoso toureador.  O soldado, completamente enfeitiçado, louco de paixão, então, é tomado por um acesso de ira e ciúme e a assassina, esfaqueando-a.

 

 

A cigana pede para que Cervantes reescreva sua história

Carmen, esbanjando sensualidade.

 

 

            Fiquei totalmente encantado com o espetáculo a que assisti.  E o que me causou todo esse encanto?  Tudo!!!

 

            A começar pelo texto; ou melhor, antes de tudo, pela sua ideia.  Quanto ao texto, propriamente dito, é de se destacar a qualidade dos diálogos, o apuro da linguagem, a poesia, no explícito e nas entrelinhas, quer de forma sutil, pela boca do poeta, quer pela maneira tosca e quase agressiva, que vem da cigana.

 

 

 


Um encontro inusitado e atemporal.

 

 

Não há a menor preocupação com o tempo cronológico.  A relação entre os dois personagens é vivenciada no plano da imaginação, da mais pura ficção, ou seja, parece surgir de uma alucinação, das várias por que passou o gênio da pena espanhol, ao fim de sua vida, o que já foi mostrado, e muito bem explorado, em textos teatrais anteriores ao que ora é motivo de análise.

 

Cansada de ser vista como uma proscrita, uma mulher de má índole, sentindo-se injustiçada pelo perfil que a ela foi atribuído por seu criador, como uma transgressora, uma mulher que contrariava as convenções de seu tempo, CARMEN “procura” CERVANTES, para que este reescreva a sua história, tirando-lhe a pecha de mulher fatal e perversa e poupando-a de seu trágico destino.  Ela muito o admirava, pois, apesar de analfabeta, gostava de ouvir as histórias por ele escritas, lidas, para ela, por JOSÉ.

 

É interessante notar que havia um interesse comum aos dois: a vontade, que deve pautar a vida de todo ser humano, de se reinventar, de não temer o novo.  Quem se acomoda e não procura a sua própria reinvenção, fruto de um esforço próprio ou contando com a colaboração de outrem, está fadado à infelicidade.

 

CARMEN chega a CERVANTES, num momento em que ele também está fragilizado, física e interiormente, com a sua própria história, a sua trajetória, como homem e como escritor.  Sente-se que ela busca juntar a sua solidão à dele.  Ela vai pedir-lhe que a ajude, sem saber que, ao mesmo tempo, está auxiliando-o na sua busca por uma identidade, como pessoa e como artista.

 

O texto convida, e conduz, o espectador a uma reflexão sobre o natural desejo das pessoas ditas “normais” de procurar novos rumos para as suas vidas, identificar labirintos sinuosos que as tirem de uma condição de acomodadas e passivas, levando-as a descobrir novas possibilidades, fazendo-as experimentar sempre mais, sem medo de errar, de correr riscos, nem que, para atingir o certo, transitem pelo torto.

Ao convidar FÁBIO ESPÍRITO SANTO para dividir a adaptação de seu conto homônimo, para a linguagem dramatúrgica, MARCOS ARUZA foi de uma felicidade imensa.

            A direção, de FÁBIO, a primeira em teatro “de (ou para) adulto”, é precisa e valoriza bastante a nobreza do texto e a excelente interpretação da dupla de protagonistas, a qual nos brinda com uma grandiosa lição de boa interpretação.

 

Valendo-se de seus notáveis dons de bailarina, ANA PAULA BOUZAS exibe-se com uma personalidade interpretativa de causar inveja, falando, dançando e ocupando todo o espaço cênico, em deslocamentos, cuja leveza lembra uma pluma ao sabor da brisa fresca.  Sabe explorar o lado quase selvagem da personagem, ao mesmo tempo que consegue expor a sua fragilidade e quase submissão, nas cenas em que isso é exigido.  Em todos os diálogos com SAMIR, nota-se uma liga, uma química, um amálgama perfeito entre os dois, porém fiquei bastante emocionado na sua cena com a RIVAL, na qual brilham as duas atrizes.   Uma belíssima interpretação!

 


Ana Paula Bouzas: vibrante interpretação.

 

SAMIR MURAD é um ator pleno de recursos técnicos, mas, acima de tudo, convence pelas qualidades interiores exigidas pela profissão, principalmente a sensibilidade.  Em sua cena inicial, quase um monólogo, ainda que lento, arrastado, que tinha tudo para ser monótono, o ator já começa a hipnotizar a plateia, com sua interpretação forte, vibrante, emocionante, do homem à procura de respostas para os seus questionamentos.  A sensação de que, embora confortavelmente, em nossas poltronas, estamos ligados àquele homem/ator/personagem, no palco, mantém-se do início ao fim do espetáculo.  Brilhante a atuação do SAMIR!

 


Samir Murad: totalmente entregue ao personagem.

 

Para interpretar papéis de menor relevo, mas de considerável importância, na trama, temos dois excelentes coadjuvantes: CIRO SALES e ANDREZA BITTENCOURT.  Tanto como JOSÉ quanto interpretando um COBRADOR, CIRO faz um bom trabalho, o mesmo podendo ser aplicado a ANDREZA, tanto na pele da RIVAL como na de CATALINA.

Para completar a presença de pessoas em cena, o espetáculo conta, discretamente, num canto ao fundo do palco, com o luxuoso apoio de um excelente violonista, LUCIANO CÂMARA, o qual sublinha as cenas, com um belo fundo musical – ótima trilha sonora, composta por LUIZ BRASIL -, que ajuda a criar a ambientação para a trama.  LUCIANO é responsável por nos transportar às cores, ao calor e aos sabores da Espanha, com seus belíssimos solos de flamenco.

Um detalhe muito importante, ao qual, se não fosse dada a devida importância, poderia empobrecer a montagem, é a questão da preparação corporal e a direção de movimentos, visto que os atores - principalmente as atrizes – precisavam demonstrar uma postura condizente com seus personagens.  O resultado foi excelente, graças ao trabalho de ELIANE CARVALHO.

 


Postura.

 

A primeira impressão que tive, ao adentrar o auditório do Teatro Eva Herz, foi a melhor possível, causada pelo impacto do belíssimo cenário, de RONALD TEIXEIRA, no qual o destaque vai para as várias cortinas, ou algo da família (painés e panos pendentes do teto), de diversas texturas e com lindos e ricos bordados e acabamentos, tudo em tom cru.  Um deslumbramento, ao qual se juntam livros empilhados e papéis espalhados pelo chão, além de uma cadeira.

Agradaram-me, também, os figurinos, de BETTINE SILVEIRA, sóbrios (até mesmo os da exuberante cigana) e de muito bom gosto.

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Baseado no conto homônimo de Marcos Arzua
Texto: Marcos Arzua e Fábio Espírito Santo
Direção: Fábio Espírito Santo
Direção de Produção: Mariana Serrão
 
Elenco: Ana Paula Bouzas (Carmen), Samir Murad (Miguel de Cervantes), Ciro Sales (José e Cobrador) e Andreza Bittencourt (Rival e Catalina)
 
Músico: Luciano Câmara
 
Consultor Teórico e Assistente de Direção: Marcos Arzua
Diretora Assistente: Rita Carelli
Direção Musical e Trilha Original: Luiz Brasil
Preparação corporal e Direção de Movimento: Eliane Carvalho
Cenário: Ronald Teixeira
Iluminação: Fábio Espírito Santo
Figurino: Bettine Silveira
Criação de Maquiagem: Maria Adélia
Cabelos: Márcia Elias
Produção Executiva: Clara Camatta
Assistência de Produção/Administração: Cristiano Corrêa
Cenógrafos Assistentes: Eloy Machado e Liza Machado
Assistente de Figurino/Adereços: Rebeca Bevilacqua
Costura e Confecção: Alex Brasil
Tingimento e Envelhecimento: Heloísa Stockler
Operador de Som: Telma Lemos
Operador de Luz: Rommel Equer
Contrarregra: Leandro Martins
Programação Visual: Guilherme Rodrigues e Kime Rodrigues
Fotos: Débora Setenta
Mídias Digital: Leo Ladeira
Gestora Administrativa/Financeira: Anacris Monteiro
Idealização e Produtores Associados: Marcos Arzua e Fábio Espírito Santo
Realização: A Coisa Toda Produções
 








José (Ciro Sales) e Carmen (Ana Paula Bouzas).



  Tendo assistido a todos os espetáculos que passaram pelo palco do Teatro Eva Herz, desde a sua inauguração, afirmo que este é um dos que deveriam constar num quadro de honra daquele espaço.

 

 

(FOTOS: DÉBORA SETENTA.)



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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