terça-feira, 8 de setembro de 2015


POR AMOR AO MUNDO

– UM ENCONTRO COM

HANNAH ARENDET

 

 

(PARA REFLETIR.)

 

 


 

 

 


O elenco.

 

 

Para quem não vê o TEATRO apenas como mais uma das possibilidades de lazer e enxerga nele um veículo político, de abrir mentes, de convocar a reflexões, recomendo o espetáculo “POR AMOR AO MUNDO – UM ENCONTRO COM HANNAH ARENDT”, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) , Rio de Janeiro, até o dia 4 de outubro.

 

“POR AMOR AO MUNDO” é o título de um dos livros daquela que é considerada uma das maiores (se não a maior) pensadoras do século XX, uma mulher muito à frente do seu tempo: HANNAH ARENDT, que, na verdade, foi registrada como Johanna Arendt.

 

Judia, alemã, nascida em 1906 e falecida em 1975, em Nova Iorque, passou a figurar na História como uma filósofa política, das mais influentes de sua época e que nos legou sábios ensinamentos.

 

Vítima da perseguição aos judeus, na Alemanha nazista, HANNAH emigrou, depois de ficar presa, por um tempo, em seu país, o que lhe rendeu a cassação da nacionalidade alemã, fazendo dela uma pessoa apátrida, por quase duas décadas, até que, em 1951, conseguiu a cidadania americana.

            Para sobreviver, trabalhou como jornalista e professora universitária e publicou obras importantes sobre filosofia política, ainda que se recusasse a ser rotulada como "filósofa"; dizia-se uma “teórica política”.

 

 


Detalhe da iluminação.

 

            Uma de suas principais bandeiras, talvez a maior de todas, era a defesa do “pluralismo”, que ela considerava o único caminho para que o potencial de uma liberdade e igualdade política passasse a existir entre as pessoas.  Para ela, o mais importante era a perspectiva da inclusão do Outro.  Era adepta de uma “democracia direta”, da qual devessem fazer parte pessoas adequadas e dispostas a discutir tudo, amplamente, em acordos políticos, convênios e leis. 

Foi uma ativa questionadora, em discussões críticas de filósofos clássicos, como Sócrates, Platão, Aristóteles, Immanuel Kant, Martin Heidegger e Karl Jaspers, além de representantes importantes da filosofia moderna, como Maquiavel e Montesquieu.

Justamente por conta de seu pensamento independente, a “teoria do totalitarismoe da “banalidade do mal”, seus trabalhos sobre filosofia existencial e sua reivindicação da discussão política livre têm um papel central nos debates contemporâneos.

Como fontes de suas investigações, ARENDT usa, além de documentos filosóficos, políticos e históricos, biografias e obras literárias.  Esses textos são interpretados de forma literal e confrontados com o seu pensamento.

 

 

 A atriz Kelzy Ecard interpreta Hannah Arendt

Carolina Ferman e Kelzy Ecard.

 

 


Michel Robim e Kelzy Ecard.

 

 

            A peça está sendo encenada no ano em que são lembrados os 40 anos de morte de HANNAH, com texto de MÁRCIA ZANELATTO e direção de ISAAC BERNAT, uma parceria personalística, que já provou dar certo anteriormemnte.  É só puxar um pouco pela memória recente e se lembrar de “Deixa Clarear” e “Desalinho”, por exemplo.  Esta rendeu a MÁRCIA o prêmio de Melhor Autor(a), em 2014, no festejado 9º Prêmio APTR de Teatro, dividido com Gustavo Gasparani, pelo musical “Samba, Futebol Clube”.

 

            O protagonismo do espetáculo é defendido pela excepcional atriz KELZY ECARD, no papel de HANNAH ARENDT, coadjuvada pelos brilhantes trabalhos de CAROLINA FERMAN e MICHEL ROBIM.

           

            Na concepção do diretor, trata-se de uma peça de câmara, para três atores, um documentário poético”.

 

            Palavras da autora do texto, que também é a idealizadora do projeto: “Eu tinha visto o filme sobre HANNAH anos antes.  Depois, quando procurava uma peça pra KELZY, ela me voltou à mente.  Fui pesquisar e vi que eram 40 anos de sua morte.  Naquele momento, achei que HANNAH havia nos escolhido”.

           

            Gosto do texto, que não obedece a uma linha temporal linear e vai sendo desenvolvido por um narrador, um personagem anônimo e extemporâneo, vivido pelo ator e bailarino MICHEL ROBIM, que também assume outros pequenos papéis.  A partir daí, vão surgindo passagens e momentos marcantes da vida de HANNAH, que teve, nos Estados Unidos, uma grande amiga, a escritora americana MARY MCCARTHY, personagem interpretada por CAROLINA FERMAN.  As duas trocam muitas cartas, nas quais tratam de temas seriíssimos, como o totalitarismo,  cozinhando e fofocando, o que torna o diálogo muito leve, no entender da dramaturga, com o que concordo plenamente, o que serve de “vetor” de integração entre texto e plateia; esta parece esquecer que se trata de alta filosofia.  As cartas sempre terminam por hilarious conselhos culinários, descontraindo a tensão que possa ter sido formada no público.

 

 

 

 A peça atravessa vários momentos da vida da filósofa

 

 

 


 

 

 

            Na dramaturgia, MÁRCIA ZANELATTO incluiu dois dos homens mais importantes na vida de HANNAH: Heidegger, por quem ela se apaixonou, aos 18 anos, e com quem viveu um romance secreto, por toda a vida, e Heinrich Blucher, seu marido, com quem ela se casou e viveu até o fim de sua vida.

 

            De acordo com o “release” que me foi enviado, “A peça dialoga com a atualidade da banalidade do mal”.  Para isso, a autora se utiliza de fatos e citações do nosso dia a dia, da vida política atual, uma felicíssima ideia. 

 

            Segundo MÁRCIA ZANELATTO, "A banalidade do mal está nos nossos calcanhares.  Dia desses, um trem teve autorização para passar por cima do corpo de um homem.  Ouvimos frases, como ‘Não posso fazer nada’ ou ‘O sistema não aceita’ ou ‘Bandido bom é bandido morto’, todos os dias.  No Brasil, estamos vivendo o risco real da ascensão do fundamentalismo religioso ao poder.  É hora de conversar com HANNAH ARENDT.  Ela nos alertou que ‘fazer o mal’ pode não ter nada a ver com ‘ser mau’.  Ou seja, pessoas boas podem estar fazendo o mal sem se dar por isso"

 

            A direção, de ISAAC BERNAT, mais uma vez, confirma sua vocação para essa faina.  Atento às intenções do texto e conhecedor do universo arendtiano e do material humano de que dispõe, sendo que KELZY e CAROLINA já foran dirigidas por ele, ISAAC sabe extrair e dosar a emoção daqueles que dão vida aos personagens.  É muio interessante a ideia de quebrar a quarta parede do teatro, na cena em que, KELZY, que deixou de fumar e tem de fazê-lo em cena, já que a personagem era fumante inveterada, e faz uso de um cigarro eltrônico, dirigindo-se ao público, saindo da personagem, para justificar o uso de tal recurso: “É TEATRO, não é?”

 

            Sou suspeito para falar do trabalho de KELZY ECARD, considerada, por mim, uma das nossas melhores atrizes, quer como protagonista, quer como coadjuvante, roubando, muitas vezes, a cena.  Não me recordo de nenhum trabalho que desabone seu currículo.  Ao contrário, a cada novo desafio, KELZY responde com a força de seu talento.  Busca, nas entranhas, uma força descomunal para servir às personagens que interpreta.  Trata-se de uma atriz visceral, que, para nosso prazer, de novo, brilha em cena.

 

 

 


O brilho de Kelzy.

 

 

 

            CAROLINA FERMAN é uma jovem, que já é reconhecida, pelo público amante e assíduo de TEATRO, como uma grande atriz, “DE TEATRO”.  Acontece, entre ela e KELZY, uma “química” necessária para que seja atingida uma cumplicidade tal, que prende a atenção do espectador durante todo o tempo em que contracenam.  Uma ilumina o trabalho da outra.  Assim foi, em “Desalinho”; assim está acontecendo agora.

 

            Tive a feliz e rica oportunidade de conhecer o trabalho de MICHEL ROBIM, com o qual nunca tivera travado conhecimento, e pude, depois de uma breve pesquisa, saber que, curiosamente, apesar de ser formado em Engenharia Química, com curso em Engenharia Nuclear, também é formado em terapias psicocorporais, transpessoais e de desenvolvimento humano, o que lhe permite uma bela participação em cena, como dançarino, em números, não sei se coreografados ou de improviso, mas, certamente, de grande beleza plástica, além de um bom trabalho de ator.

 

 

 


Michel Robim, dançando.

 

 


Michel Robim, atuando.

 

 

            Servem, ainda, para credenciar POR AMOR AO MUNDO – UM ENCONTRO COM HANNAH ARENDT como um bom espetáculo, digno de recomendação, o bonito e simples cenário, de DÓRIS ROLLEMBERG, onde se destaca uma curiosa e prática caixa preta, que se abre, transformando-se em duas cadeiras e uma mesa, para compor alguns dos ambientes da narrative; a excelente luz, de AURÉLIO DE SIMONI; a direção musical e trilha original, de ALFREDO DEL-PENHO, a direção de movimento, de MARCELLE SAMPAIO e os figurinos, discretos e acertados, de DESIRÉE BASTOS.

 

            Confesso que não era íntimo de HANNA ARENDT, como ainda não o sou,  mas, depois de ter assistido e este instigante espetáculo, liguei minhas antenas e já estou procurando ler um pouco sobre sua obra e seu pensamento, procurando inseri-lo na atual conjuntura do país e do mundo.

 

            Termino com um pensamento de HANNAH ARENDT: Nunca se pode parar de pensar.

 

            Topam?

 

 

 


Paixão entre mestre a discípula.

 

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Dramaturgia: Márcia Zanelatto
Direção Isaac Bernat
 
Elenco: Kelzy Ecard, Carolina Ferman e Michel Robim
 
Cenografia: Dóris Rollemberg
Iluminação: Aurélio de Simoni
Figurinos: Desirée Bastos
Direção Musical e Trilha Sonora Original: Alfredo Del-Penho
Direção de Movimentos: Marcelle Sampaio
Direção de Produção: Roberto Jerônimo
Idealização e Realização: Márcia Zanelatto / Transa Arte e Conteúdo
Assessoria de Comunicação: Bruno Pacheco
 

 

 

 


 

 

 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: Até 4 de outubro (2015).
Local: Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.
Endereço: Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro.
Telefone: 3808-2020.
Lotação 172 lugares.
Classificação Indicativa: 14 anos
Dias e Horários: De 4ª feira a domingo, às 19h.
Entrada: R$ 10,00
Meia Entrada: R$ 5,00 (Idosos, Estudantes, Clientes BB, Cartão Metrô recarregável).
 
 

 

 

(FOTOS: JOÃO JÚLIO MELLO)

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