segunda-feira, 20 de junho de 2016


 

BANDIDA

 


 

(“AMANTE NÃO TEM SAUDADE; AMANTE TEM VONTADE”.)

 

 


 

 

 

Alguns poderiam ir à Sede das Cias, como se diz, “no escuro”, para assistir ao espetáculo “BANDIDA”, que, infelizmente, encerra sua primeira temporada na próxima 5ª feira, 23 de junho (apenas mais três oportunidades – VER SERVIÇO). Não foi o meu caso, pois já conhecia o trabalho do grupo, que veio do Espírito Santo, de excelente qualidade, por oportuno, repetindo, com esta montagem, o sucesso que fez, na mesma Sede das Cias, no ano passado, com o espetáculo “Romantic”, sobre o qual escrevi, à época, com muito prazer e cuja crítica está no blogue.

 

Desta vez, o GRUPO TEATRO EMPÓRIO (o nome me agrada muito) vem com um espetáculo fantástico, que lembra bastante, muito mesmo, o universo rodriguiano. Trata-se de “BANDIDA”, cuja sinopse segue abaixo:

 

 

 


 

 

 

 
SINOPSE:
 
Amores, traições, mistério e humor. “BANDIDA” utiliza o melodrama e a tragicomédia, para contar a história de CECÍLIA, uma mulher casada, que trai o marido com dois amantes e que, no dia do casamento, a contragosto, do irmão mais novo, BERNARDO, recebe a visita da irmã, NELMA, a qual, ao que consta, está gravemente doente.
 
As duas acumulam inúmeras desavenças, sendo a maior delas ERNANDO, marido de CECÍLIA, alvo incontestável do amor das irmãs, já que fora disputado pelas duas, na juventude.
 
Afastada da família, durante anos, por CECÍLIA, para não atrapalhar a felicidade desta com o marido, NELMA retorna, para cobrar o seu posto no seio familiar.
           
A relação fica, ainda, mais conturbada, quando a irmã visitante descobre um diário, bastante “comprometedor”, escrito pelo irmão mais novo, o já citado BERNARDO, relatando detalhes das traições da “bandida” CECÍLIA.
 
A partir daí, as personagens lançam mão de inúmeras artimanhas, para conseguir o que desejam, cada uma delas querendo ou, pelo menos, tentando interferir no futuro das outras.
 

 

 

 


 

 

 


 

Fiquei apaixonado pelo trabalho, desde o texto, passando pela direção, a atuação do ótimo elenco e o suporte de todos os elementos técnicos da peça.

 

A montagem tem a duração de um pouco mais de 60 minutos, tempo justo e necessário, para que se conte toda a trama, escrita por LEANDRO BACELLAR, que também dirige o espetáculo. O dramaturgo parece, e não o nega, ter bebido bastante numa fonte chamada Nelson Rodrigues. Nos cinco ou dez minutos iniciais, as semelhanças entre os dois estilos já começam a se delinear.

 

Amor, ódio, ciúme, inveja e vingança são os ingredientes presentes nesta receita, que acaba por produzir um espetáculo que provoca o desejo de ser revisto.

 


 


 

 


Diz o “release’ da peça”: ‘BANDIDA’ é uma comédia de costumes, que retrata a estreita relação de amor e ódio, amizade e traição, de três  irmãos e suas venturas e desventuras em torno de casamento, amargura, mentira, loucura, doença e, acima de tudo, do amor, ironicamente retratado, por meio de cenas curtas, com vocabulário afiado”.

 

Sobre esse trecho, cabem alguns comentários relativos ao texto. Sim, é uma “comédia de costumes”, porém agrega, na sua estrutura dramatúrgica, um toque folhetinesco, típico das antigas radionovelas, que acabam por transformar a trama numa tragicomédia, com todos os seus ingredients, que faziam chorar, em outras épocas, e que, hoje, provocam boas gargalhadas do público, pelo tom inusitado dos acontecimentos. As situações quase se aproximam do surreal. Por vezes, peguei-me, pensando em como alguém pode criar situações daquele quilate ou se seria possível as cenas saltarem da ficção para a realidade. E chego à conclusão de que… Não chegou a conclusão alguma, já que ninguém consegue segurar a loucura da raça humana.

 

O fato de as cenas serem todas bastante curtas também é um dado muito interessante, nesta montagem, pois, além de contribuir para o ótimo ritmo das ações, com idas e vindas aos mesmos locais e a retomada de cenas, obriga o espectador a ficar mais atento, ligando as peças de um grande quebra-cabeças, talvez, numa comparação, meio “capenga”, ligando a peça a um “thriller”. Outro detalhe, também, bastante interessante é o fato de os desejos e as tramas de um se assemelharem aos de outros, porém aplicados a um terceiro personagem, o que vai gerando uma espécie de quiprocós, típicos de outros gêneros tetrais.

 


 


 

 


Os diálogos são muito bem escritos e o vocabulário utilizado não chega a ser tão próximo ao de Nelson, não há a utilização de seus bordões ou neologismos criados à sua éoca, mas dele muito se aproxima. Quanto ao estilo de ambos, o apuro nas construções linguísticas se faz presente, principalmente nas concordância e regências, nominais e verbais.

 

A direção da peça utilizou-se de uma forma que, antes de tudo, barateia a montagem, pela falta de cenários (tudo se passa num palco totalmente nu, isento de qualquer elemento cênico), mas, antes de qualquer outro comentário, esse detalhe valoriza, infinitamente, a encenação, pelo excesso de criatividade empregada. Se o cenário não faz falta, e o público é capaz de passear por um antigo casarão do Rio de Janeiro, na década de 40, do século passado, consegue “visualizar” vários ambientes desse imóvel, tudo isso é possível, em função das sensacionais marcações e da grande importância da iluminação, neste trabalho. Não me lembro de ter assistido a alguma peça que tenha utilizado o mesmo expediente, qual seja o da ausência de cenários, que tenha me proporcionado essa sensação de ver o concreto no abstrato, naquele vazio expressivo.

 

 

 


 

 

 

As marcações, muitas delas coreografadas, como a sensacional cena de um triângulo amoroso, a primeira da peça, representada sem palavras, ao som de um tango a três, são ótimas. Essa cena funciona como um abre-alas de uma escola de samba, aquele elemento que já vai ser o prenúncio de um bom ou mau desfile. Tal cena já anuncia a superlativa qualidade do espetáculo, prende a atenção do espectador e dá o alerta: Fiquem atentos, porque, aqui, há o bom TEATRO!

 

É ótima a trilha sonora, de LEANDRO BACELLAR, que nos embala, ao som de tangos, em predominância, e boleros, dois ritmos que estão intimamente ligados ao tema da peça. Muito bom gosto na escolha.

 

Ainda está no “release”: “A montagem  revisita o imaginário da moralidade carioca, tão bem representado por Nelson Rodrigues, em sua vasta obra”. Faltou a ele um adjetivo, cuja ausência não faz falta ao que foi dito: “falsa” (falsa moralidade). Não invalida a informação, uma vez que ele já está, implicitamente, agregado ao substantive, quando se trata de Nelson, e é o mesmo caso agora. Para defender seus amores e interesses, todos se agarram a uma moralidade que se esvai pelos dedos de cada um, não consegue ficar reclusa, dentro das mãos, dentro do ser de cada um. 

 

Todos sabemos da fronteira tênue entre amor e ódio, da mesma forma como ambos são vizinhos da traição e da vingança., já que ninguém aceita perder, quando o amor, o dito vetor para a felicidade é ameaçado. É disso que, no fundo, trata o espetáculo, o qual nos apresenta ótimas surpresas, incluindo o epílogo.

 

 

 


 

 

 

            A homogeneidade, no elenco, é um dos pontos altos do espetáculo. Há uma protagonista, CECÍLIA (LETÍCIA IECKER), que, indiretamente, dá titulo à peça, já que é a “BANDIDA”, porém todos os outros personagens têm um papel de grande destaque na trama e cada um dos atores executa um trabalho perfeito, fruto de muita pesquisa e ensaios: CAROLINA LAVIGNE (RITINHA), a pretensa futura esposa de alguém que não quer se casar; DIEGO CARNEIRO (HEITOR), um dos amantes de CECÍLIA; FELIPE SANTORO (BERNARDO), o irmão mais novo, o que não quer se casar, e lá tem os seus motivos (confiram, assistindo à peça); LUCIANO BORGES (ERNANDO), o marido de CECÍLIA; LUIZ FERNANDO LOPES (OSWALDINHO), o outro amante da adúltera; NÍVIA TERRA (NELMA), a irmã “proscrita”, que chega para “abalar”; e STACE MAYKA (NAIR), a “enfermeira/acompanhante” de NELMA, e que mantém um caso de amor com um dos amantes de CECÍLIA. Todos, sem exceção, construíram seus personagens com características muito próprias e pessoais, valorizando cada um deles, inclusive quando apelam, propositalmente, para o tom exagerado, quase caricato, em algumas cenas, bem ao estilo do melodrama.

 

 

 

    

            Letícia Iecker                                                        

 


Carolina Lavigne.

 

 


                                                                                                                       Diego Carneiro.

 


         Felipe Santoro.

 


Luciano Borges

 


                                                                                                                 Fernando Lopes.

 


            Nívia Terra.

 


Stace Mayka.

 

 


            Já que citei os elementos técnicos da peça, não poderia deixar de mencionar os profissionais responsáveis por eles e que merecem o meu aplauso, a começar pelo excelente desenho de iluminação, feito por LARA CUNHA. Bom, da primeira à última cena, e, de forma especial, quando projeta, no meio do palco, uma luz em forma de grade, sobre grupos de atores, o que passa a impressão de que todos estão confinados, não só num espaço físico, numa prisão, mas, também, dentro de si mesmos.  

 

            RAMON ALCÂNTARA merece ser aplaudido pelos figurinos, que me chamaram a atenção, embora não os tenha inserido, totalmente, na época em que se passa a trama, entretanto penso que, talvez, até, tenha sido proposital esse detalhe, para mostrar quão atemporal são os fatos mostrados em cena. Sóbrios e bem confeccionados os figurinos.

 

 

 


 

 

 

            Que belo trabalho de direção de movimento executou RODRIGO GONDIM, que também é o responsável pelas coreografias! Trabalho de suma importância, numa peça que não utiliza cenários e em que o diretor tem de pôr em prática toda a sua criatividade, para passar verdade, na marcação sobre o “nada”. Penso que os dois devem ter trabalhado muito em conjunto, para a obtenção do excelente resultado.


 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Dramaturgia e Encenação: Leandro Bacellar.
Direção de Produção: Leandro Bacellar e Luísa Reis.
Produção Executiva: Ramon Alcântara, Marcela Büll, Luciano Borges.
 
Elenco (em ordem alfabética): Carolina Lavigne (Ritinha), Diego Carneiro (Heitor), Felipe Santoro (Bernardo), Luciano Borges (Ernando), Letícia Iecker (Cecília), Luiz Fernando Lopes (Oswaldinho), Nívia Terra (Nelma), Stace Mayka (Nair).
 
Desenho de Iluminação: Lara Cunha
Figurino: Ramon Alcântara
Trilha Sonora: Leandro Bacellar
Costuras: Lúcia Lima
Direção de Movimento e Coreografias: Rodrigo Gondim
Visagismo: Rodrigo Reinoso
Cabelos e Penteados: Débora Saad
Programação Visual: Leandro Bacellar
Fotografias Para Divulgação e Comunicação Visual: Bob Maestrelli
Site: Ana Carolina Vasconcelos
Coordenador Técnico e Operador de Som: Maurício Ramos de Aguiar
Operador de Luz: Ramon Alcântara
Conteúdo: Empório Criativo
Realização: Grupo Teatro Empório
 

 

 

 


 


 

 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 01 a 23 de Junho (2016).
Local: Sede das Cias.
Endereço: Rua Manuel Carneiro, 12. Escadaria Selarón – Lapa – Rio de Janeiro.
Capacidade: 60 pessoas.
Dias e Horários: Às 3ªs, 4ªs e 5ªs feiras, sempre às 20h.
Duração do Espetáculo: 65 minutos.
Classificação Etária: 14 anos.
Gênero: Comédia Trágica.
Valor do Ingresso: Inteira - R$30,00 / Meia-Entrada – R$15,00.
Informações: (21) 2137-1271.
Bilheteria aberta a partir das 19h.
www.facebook.com/grupoteatroemporio
 
Estacionamento próximo ao teatro: Rio Antigo Park
(Rua Teotônio Regatas s/n, ao lado da Sala Cecilia Meireles – no começo da Escadaria Selarón.)
 

 

 

 


 

 

 

Por tudo o que foi dito e o que ainda haveria por dizer - e, se não o faço, é por total falta de tempo -, recomendo, com bastante empenho, este espetáculo, na certeza de que quem não conhece, ainda, o trabalho do Grupo, sairá do teatro feliz com a surpresa e, para os que já o conhecem, ratificarão o conceito de que o GRUPO DE TEATRO EMPÓRIO é um dos melhores que surgiram em pouco mais de uma década.

 

 

 

(FOTOS: BOB MAESTRELLI.)

 

 

 

 

 

 

 

 

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