quinta-feira, 21 de julho de 2016


UM NOME PARA

ROMEU

E

JULIETA


(NÃO É PRECISO REBATIZÁ-LOS.

APENAS “ROMEU” E “JULIETA”.)


 



            A pessoa vai ao TEATRO, já conhecendo a história que será contada. Mas ela vai, assim mesmo. Por quê? Por que adora a história? Talvez. Por que deseja ver o trabalho de amigos no palco? Também.  

            Já perdi a conta de a quantas encenações de “Romeu e Julieta” já assisti, ao longo da minha vida de “rato-de-teatro”. Jamais vi uma igual a outra. O que sempre me levou a assistir a uma nova montagem desse clássico de WILLIAM SHAKESPEARE é a curiosidade de ver de que maneira a história seria contada, esperando, sempre, é óbvio, que nenhum adaptador ou diretor decida “entrar na parceria” da consagrada obra de arte, ou seja, que ninguém invente de contar uma história diferente.
 
 
 
Daniel Chagas e Andrêas Gatto.


 
 
            E foi assim que aceitei o convite para assistir a “UM NOME PARA ROMEU E JULIETA”, espetáculo que está em cartaz no Teatro de Arena da Caixa Cultural, no Rio de Janeiro. E não é que vi uma versão compacta da história de amor entre os dois adolescentes, oriundos de famílias inimigas, em apenas 70 minutos, sem qualquer sacrifício, deturpação ou mutilação da tragédia shakespeariana?!... E o melhor: gostei do que vi.

            Por mais que eu ache desnecessário apresentar uma sinopse da história, escrita entre 1591 e 1595, portanto há mais de 400 anos, sempre pode haver algum “desavisado”, que não a conheça ou somente tenha ideia de uma parte da trama:

 
Carolina Ferman.
 
 

 
SINOPSE:
 
A peça é passada em Verona e se inicia numa rua, com o desentendimento entre os MONTECCHIO e os CAPULETO, duas famílias historicamente inimigas.
O PRÍNCIPE DE VERONA intervém e declara que irá punir, com a morte, as pessoas que colaborarem para mais uma briga entre ambas as famílias.
Mais tarde, um CONDE, de nome PÁRIS, conversa com o SENHOR CAPULETO sobre o casamento de sua filha com ele, mas CAPULETO está confuso, quanto ao pedido, porque JULIETA tem somente treze anos. Pede ao CONDE que aguarde dois anos, até a jovem completar 15, e o convida para uma festaque seria realizada na sua casa. A SENHORA CAPULETO e a AMA DE JULIETA tentam persuadir a moça a aceitar o cortejo de PÁRIS.
BENVÓLIO encontra-se com seu primo, ROMEU, filho dos MONTECCHIO, e conversam sobre a depressão do moço e acaba descobrindo que ela é o resultado de um amor não correspondido por uma garota, chamada ROSALINA, uma das sobrinhas do SENHOR CAPULETO.
Persuadido por BENVÓLIO e MERCÚCIO, o protagonista atende ao convite da festa na casa dos CAPULETO, na esperança de se encontrar com ROSALINA. Contudo, ROMEU acaba por se apaixonar, perdidamente, por JULIETA.
Após a festa, na famosa "cena da varanda", ROMEU pula o muro do pátio dos CAPULETO e ouve as declarações de amor de JULIETA, apesar de seu ódio pelos MONTECCHIO.
ROMEU e JULIETA decidem se casar clandestinamente.
Com a ajuda de FREI LOURENÇO, que vê, naquela união, a reconciliação das duas famílias, eles conseguem se casar, secretamente, no dia seguinte.
TEOBALDO, primo de JULIETA, sentindo-se ofendido pelo fato de ROMEU ter fugido da festa, ao ser reconhecido, desafia o moço para um duelo. Este, que, agora, por amor a JULIETA, considera TEOBALDO seu amigo e parente, recusa-se a lutar contra ele.
MERCÚCIO, então, sente-se incentivado a aceitar o duelo, em nome de ROMEU, e a contragosto deste, por conta de sua "calma submissão, vil e insultuosa". 
Durante o duelo, MERCÚCIO é, mortalmente, ferido e ROMEU, irritado com a morte do amigo, prossegue o confronto e mata TEOBALDO.
Por conta disso, o PRÍNCIPE decide exilar ROMEU, de Verona, por conta do assassinato, salientando que, se ele retornasse, seria condenado à morte. 
O SENHOR CAPULETO, interpretando, erroneamente, a dor de JULIETA, concordou em casá-la, imediatamente, com o CONDE PÁRIS e ameaça deserdá-la, mas ela se recusa a obedecer ao pai.
A jovem pede, em seguida, à mãe, que interceda por ela, sobre o pai, no sentido de adiar o indesejado casamento, mas a mãe aceita tal pedido.
Quando escurece, ROMEU, secretamente, passa toda a noite no quarto de JULIETA, onde eles consumam seu casamento.
No dia seguinte, JULIETA visita FREI LOURENÇO, pedindo-lhe ajuda, para escapar do casamento, e o FREI lhe oferece um pequeno frasco, aconselhando-a: "… bebe seu conteúdo, que, pelas veias, logo, há de correr-te humor frio, de efeito entorpecedor, sem que a bater o pulso continue em seu curso normal, parando logo…".
 
O frasco, se ingerido, faz com que a pessoa durma e fique num estado semelhante ao da morte, em coma por "quarenta e duas horas". Com a morte aparente, os familiares pensarão que a moça está morta e, assim, ela não se casará indesejadamente.
 
Por fim, Frei Lourenço promete que enviará um mensageiro, para informar ROMEU — ainda em exílio — do plano que irá uni-los e, assim, fazer com que ele retorne para Verona, no mesmo momento em que a jovem despertar. Na noite antes do casamento, JULIETA toma a poção e, quando descobrem que ela está "morta", colocam seu corpo na cripta da família.
 
A mensagem, contudo, termina sendo extraviada e ROMEU pensa que JULIETA, realmente, está morta, quando o criado BALTAZAR lhe conta o ocorrido.
 
Amargamente, o protagonista compra um veneno fatalde um boticário, que encontra no meio do caminho, e dirige-se para a cripta dos CAPULETO. Lá, ele se defronta com PÁRIS.
Acreditando que ROMEU fosse um vândalo, o CONDE confronta-se contra o “desconhecido” e, na batalha, ROMEU o assassina. Ainda acreditando que sua amada está morta, ele bebe a poção.
 
JULIETA acaba acordando, descobre a morte de ROMEU e suicida-se, com o punhal dele, vendo que a poção do moço não possuía mais nenhuma gota para ela.
 
As duas famílias e o PRÍNCIPE se encontram na tumba e descobrem os três mortos.
 
FREI LOURENÇO conta a história do amor impossível dos jovens para as duas famílias, que, agora, se reconciliam, pela morte dos seus filhos.
 
A peça termina com a elegia do PRÍNCIPE para os amantes:
 
"Jamais história alguma houve mais dolorosa / Do que a de JULIETA e a do seu ROMEU."
 



 
No baile I.
 
 
No baile II.
 
 
No baile III.
 
 

            Em 2006, para a conclusão de seu curso de Artes Cênicas – Direção Teatral, na Universidade Federal do Rio de Janeiro - , DANI LOSSANT escolheu o clássico de SHAKESPEARE, como um desafio de montar um espetáculo com uma história já tão conhecida e contada por tantas pessoas, de uma forma diferente, em termos de concepção cênica. Seu desejo era trabalhar sobre uma peça que falasse do amor interrompido, impedido e impossibilitado por fatores externos. DANI optou por um trabalho que teve por base um intenso treinamento físico do elenco de seis atores. Além da apresentação na própria Universidade, em seguida, participou de inúmeros festivais universitários, ganhando reconhecimento de crítica e público, além de indicações e premiações.

            Depois de dez anos, a diretora resolveu remontar o espetáculo, contando, para isso, com um novo elenco. Segundo o “release” da peça, enviado por LYVIA RODRIGUES (AQUELA QUE DIVULGA), “a encenação de Lossant investe na emergência do corpo do ator e da palavra de SHAKESPEARE, como ação primordial, trazendo uma poética que se constrói pela essencialidade dos gestos e movimentos e que intensifica a beleza e a crueza de tantas vezes contada história de ROMEU e JULIETA”.

            Contando com a valorosa cumplicidade de DIOGO LIBERANO, na colaboração dramatúrgica, DANI elegeu uma proposta contemporânea e desafiadora, partindo de dois elementos, que considero fundamentais neste processo criativo: uma nova concepção espacial e o trabalho de corpo dos atores, alcançando um resultado excelente. Para este, contou com o inestimável e muito criativo trabalho de direção de movimento de NATHÁLIA MELLO, que deve ter “sugado” bastante o elenco, fazendo com que certas cenas possam ser consideradas um verdadeiro balé. Todos corresponderam, à altura, à proposta de NATHÁLIA e o resultado é brilhante!

            Sem contar com cenários, a encenação se dá sobre um piso quadrado, numa imitação de um mármore envelhecido, sobre o qual, no decorrer do espetáculo, todos os atores escrevem palavras soltas ou pequenas frases, infelizmente – a grande maioria – impossíveis de serem lidas pela plateia – e aqui vai a minha única restrição ao espetáculo, porém julgo-a seriíssima, uma vez que a leitura daquelas inscrições é fundamental, para o entendimento da história, dentro da estética cênica escolhida.
 
 
 
 
 
 
 



O motivo desse impedimento se dá porque é utilizado um giz, ou material semelhante, de cor marrom, que não sobressai, sobre aquele piso, comprometido, mais ainda, pela maior ou menor incidência de luz, principalmente a vermelha. “A escrita de palavras, nomes e poemas pretende aludir ao próprio ato de contar uma história. Ao mesmo tempo, ao investir não apenas na palavra dita, mas também em sua grafia no espaço, a encenação evoca a criação de imagens tanto no trabalho dos atores como no do espectador”, segundo o “release”. Sendo assim, proponho que a direção encontre, imediatamente, uma solução, para que seu objetivo seja alcançado.

Tirante esse detalhe, o qual – repito – é bastante sério e importante, a direção acerta em cheio, na proposta, com algumas soluções inovadoras, que funcionam muito bem, como, por exemplo a cena do duelo entre os três (MERCÚCIO, TEOBALDO e ROMEU), no qual as espadas ou armas desse tipo são substiutídas por um elemento que me reservo o direiro de não revelar, para não roubar a surpresa aos que irão assistir à peça.

A mistura da música de época com “funk”, durante o baile é algo que entendo, dentro da proposta, mas não me agrada muito. É uma questão pessoal, de quem não tolera esse ritmo, uma vez que chamar aquilo de "música" seria, no mínimo, uma heresia. Não se trata de preconceito, mas questão de gosto.

Agrada-me a ideia de, ao adentrar a sala de espetáculos, o público já encontrar os atores se aquecendo, assim como a de os que não estão em cena ficarem nos cantos da arena, participando, indiretamente, dela, o que significa dizer que há uma ampliação do espaço cênico e uma aproximação maior com o espectador, que se sente um pouco dentro da ação..

É belíssima a cena da noite de amor, entre os apaixonados, toda coreografada, sugerindo, apenas, o coito, com muita leveza e poesia.

Mais dois detalhes da direção, que merecem um crédito especial. são a utilização de canela em pó, para substituir os líquidos, consumidos, não por ingestão, mas por, digamos, aspiração, depois de o pó ser lançado no ar, num belo efeito plástico. O outro é a cena entrecruzada, envolvendo o FREI e o emissário da carta, FREI JOÃO, que não conseguiu cumprir sua tarefa, o que impediria toda a tragédia, e ROMEU e BALTAZAR. Não que a técnica seja inovadora, mas a maneira como a cena é conduzida é que é o grande diferencial de outras vezes em que tive a oportunidade de ver algo semelhante.
 
 
 


 

Que DANI LOSSANT não espere mais tanto tempo para nos brindar com outro bom trabalho de direção!

 
 
 
 
            Nas palavras da diretora, com as quais concordo, em parte, “a história de ROMEU e JULIETA se atualiza, a cada vez que é contada, e agrega novas significações. Tratamos do amor romântico, não porque não desconfiamos dele e dos discursos que ele produziu ao longo do tempo, mas, justamente, porque ele perece, apesar de apresentar muita força de vida. Entendemos o amor como força subversiva no seu embate contra os poderes autoritários que tentam cercear a liberdade humana”.

            Para DIOGO LIBERANO, que contribuiu para a dramaturgia, optando por um texto em versos, “a dramaturgia de SHAKESPEARE manifesta que a intolerância humana existe ‘desde sempre’. O que causa a tragédia do casal é a incapacidade humana de lidar com a diferença do outro, não a paixão entre eles. Ao mesmo tempo, e isso é muito importante de ser contado repetidas vezes, SHAKESPEARE sugere o amor como a principal arma na luta pela liberdade e pela vida”. Pura verdade, o que pode ser encontrado em outras obras do grande dramaturgo inglês.
 
LUCI VILANOVA, que assina os figurinos, seguindo a proposta da direção, optou por inseri-los na contemporaneidade, utilizando alguns poucos elementos de época, ou quase, poucos adereços, para que os atores pudessem se revezar em mais de um personagem, uma vez que o elenco conta com apenas seis atores, quatro homens e duas mulheres, dois quais apenas dois, DIOGO LIBERANO (ROMEU) e CAROLINA FERMAN (JULIETA) têm personagens fixos.

DANIELA SANCHEZ é responsável pela iluminação do espetáculo, parcimoniosa na intensidade da luz, o que ajuda a criar uma atmosfera propícia à diversidade das cenas, atrapalhando, porém, sem que seja culpa dela, quero crer, a leitura do que os atores escrevem no piso, o que já foi comentado. A farta utilização da luz vermelha tanto serve para realçar as cenas de amor como as de morte.

Gostei da boa trilha sonora original, criada por LUCIANO CORRÊA, que vai do “techno”, passando pela música medieval, intrometendo o tal do “funk” e acrescentando, para a cena final, a linda canção “Mortal Loucura”, na voz de Letícia Novaes, cuja letra é do poeta barroco Gregório de Matos Guerra, com melodia de José Miguel Wisnik, cujo arranjo e produção musical leva a marca de FÁBIO LIMA.
 
 


 
Para finalizar estes comentários, falta analisar o trabalho do elenco, muito bem escalado e que, em uníssono, conduz o espetáculo, do princípio ao fim, com garra, muita competência e coerência.

DIOGO LIBERANO, que é meio bissexto, como ator (gostaria de vê-lo atuando mais), já que se dedica mais a escrever e a outras funções, no TEATRO, faz um ROMEU convincente, o herói sem exageros, e, para mim, na sua melhor “performance”, como ator.
 
 
O "suicídio"



CAROLINA FERMAN, uma atriz que já admiro de tantos outros trabalhos, também se destaca, como a protagonista, chamando-me a atenção o seu trabalho de corpo, que nos faz – a mim, pelo menos - várias vezes, achar que estamos diante de uma bailarina que atua, tal é a sua intimidade com a dança. Pensei que fosse profissional, mas a própria me confessou que “apenas” estuda. E como estuda!

 
 
 
Há uma excelente química entre a dupla de protagonistas, de modo que, embora os atores tenham idades superiores às da dupla dos personagens centrais da história, passam por dois adolescentes, graças à leveza como se movimentam e o tom doce de suas vozes, aliado a corretas entonações.

Todos os atores em papéis coadjuvantes (os personagens o são; não os atores) cumprem, com muita correção, suas funções, em todos os personagens que representam. São eles, em ordem alfabética, ANDRÊAS GATTO, DANIEL CHAGAS, MÁRCIO MACHADO E MORENA CATTONI.

Às vezes, há ideias ótimas, que não chegam à sua concretização de forma positiva ou, pelo menos, apreciável. Em "UM NOME PARA ROMEU E JULIETA”, título cujo significado não absorvi bem, a boa ideia, da diretora, atingiu um nível de qualidade muito bom, que me leva a recomendar o espetáculo, o qual, infelizmente, cumpre uma temporada tão curta.
 
Oxalá venham outras!  


 
Escrevendo...


 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto adaptado, a partir do original “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare (tradução de Onestaldo Pennafort)
Direção, Adaptação e Concepção Espacial: Dani Lossant
Colaboração Dramatúrgica: Diogo Liberano
Diretor assistente: Davi Palmeira
 
Elenco (por ordem alfabética): Andrêas Gatto, Carolina Ferman, Daniel Chagas, Diogo Liberano, Márcio Machado e Morena Cattoni
 
Direção de Movimento: Nathália Mello
Preparação Vocal: Verônica Machado
Iluminação: Daniela Sanchez
Trilha Original: Luciano Corrêa
Figurinos: Luci Vilanova
"Design" Gráfico: André Coelho
Fotos: Anna Clara Carvalho
Assessoria de Imprensa: Aquela que Divulga (Lyvia Roodrigues)
Mídias Sociais: Teo Pasquini
Direção de Produção: Luísa Barros
Produção Executiva: Alice Stepansky
Produtor Associado: Diogo Liberano
 

 
 

 
 

 
SERVIÇO:
 
 
Temporada: De 14 a 31 de julho de 2016 
Local: Caixa Cultural Rio de Janeiro - Teatro de Arena
Endereço: Avenida Almirante Barroso, 25 – Centro  (Metrô: Estação Carioca)
Telefone: (21) 3980-3815
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, sempre às 19h
Valor do Ingresso: R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia) (Além dos casos previstos em lei, clientes CAIXA pagam meia-entrada).
Horáio de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, das 10h às 20h
Classificação Indicativa: 12 anos
Duração: 70 minutos
Acesso para pessoas com deficiência
 

 
O final não feliz.
 

 
 

(FOTOS: ANNA CLARA CARVALHO.)

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