terça-feira, 25 de outubro de 2016


NU

DE BOTAS

 

 

(A INFÂNCIA DE TODOS NÓS.

ou

“HÁ UM MENINO, HÁ UM MOLEQUE, MORANDO SEMPRE NO MEU CORAÇAO.”

– MÍLTON NASCIMENTO

e FERNANDO BRANT.)

 
 
 
 
            Fico extremamente aborrecido comigo mesmo, quando não consigo encontrar tempo para escrever sobre um espetáculo, enquanto ele está em cartaz, principalmente se me agrada muito. Foi o que ocorreu, por exemplo, com “NU DE BOTAS”, que considero uma das melhores montagens a que assisti até agora, neste ano teatro de 2016.

É uma pena que a temporada, no CCBB do Rio de Janeiro, tenha sido tão curta!!! Queiram os DEUSES DO TEATRO que o espetáculo possa voltar ao cartaz, porque bem o merece, assim como merecem ver a peça aqueles que gostam do bom TEATRO e que, por algum motivo, não tiveram tal oportunidade!!!

            A peça é baseada no livro homônimo, que traz relatos da infância do próprio autor, ANTÔNIO PRATA, que, confesso, não era muito da minha intimidade literária e pelo qual fiquei apaixonado. Vou comprar o livro, na primeira oportunidade.

 




 

 

 
SINOPSE:
 
 
A peça reúne algumas das crônicas do livro “NU DE BOTAS”, de ANTÔNIO PRATA, transformadas, dramaturgicamente, por CRISTINA MOURA e PEDRO BRÍCIO, os quais levam, para o palco, "materializadas", as primeiras lembranças do personagem ANTÔNIO, as passagens mais marcantes da sua infância: aventuras no quintal de casa, os amigos da vila, o divórcio dos pais, o cometa Halley, os desenhos animados da TV, a primeira paixão, uma inusitada “viagem” à África, dilemas morais, viagens de carro, histórias e relatos das lembranças da infância do autor, uma época da vida, repleta de descobertas e experimentações.
 
As histórias do menino ANTÔNIO, que nasceu em São Paulo, no final dos anos 70, são inspiradas em fatos reais, narradas do ponto de vista da criança, com os filtros da ficção e permeadas de muito bom humor.
 
Um olhar infantil, de quem se espanta com o mundo e a ele confere um sentido muito particular – cômico, misterioso, lírico e encantado.
 

 

 







            O espetáculo consegue reunir diversão e sentimentos, por se tratar de uma peça de memórias afetivas, das quais muitos se apropriam e com elas se identificam, abrindo os portões para o seu “menino interior” poder correr pelo gramado. Dessa forma, o espectador que se propuser a isso sairá no lucro, muito mais do que os outros.

            São dezessete pequenas histórias, narradas sob a ótica de um único personagem, ANTÔNIO, representado por cinco atores, todos em trabalhos irretocáveis, que não interpretam a criança de forma imbecilizada, como se costuma ver por aí. São excelentes profissionais: INEZ VIANA, ISABEL GUÉRON, PEDRO BRÍCIO, RENATO LINHARES e THIARE MAIA (por ordem alfabética).

 



Segundo o “release”, CRISTINA MOURA “apostou numa encenação simples, com valorização das palavras e das imagens que surgem das histórias desse jovem e talentoso cronista, explorando, cenicamente, a comicidade por trás de cada uma das situações vividas pelo narrador. Ao longo de 75 minutos de espetáculo, deparamo-nos com situações, aparentemente, cotidianas, entretanto o humor utilizado por PRATA transforma cada uma dessas situações em narrativas muito especiais, fazendo com que habitemos a infância de novo, abrindo-nos as portas para um estado de surpresa e maravilhamento”.

 
Ainda extraídas do “release”, estas palavras de ANTÔNIO PRATA: NU, DE BOTAS” (com uma vírgula, no original) é um livro sobre a minha infância. Eu o escrevi, não tentando ver a criança que eu fui, através dos olhos do adulto que eu sou, mas buscando enxergar o mundo, de novo, do jeito que eu o via aos três, quatro, cinco, seis….

            Como assisti ao espetáculo há um mês e não fiz anotações, fica difícil falar, em detalhes, sobre ele. Assim, procurarei ser breve, porém o mais preciso e profundo possível nas minhas observações.

            Em primeiro lugar, um aplauso ao trabalho, a quatro mãos, de CRISTINA MOURA e PEDRO BRÍCIO, pela escolha das crônicas e pela difícil tarefa de transformar o dinamismo de uma narrativa literária num excelente texto dramático, capaz de prender a atenção do espectador, da primeira à última cena. Poucas vezes, vi o universo léxico infantil tão bem assimilado por um público adulto. Tudo feito sem o menor grau de complicação, nada sofisticado nem distante do mundo lúdico da criança, embora não seja uma peça infantil. O “perigoso” e o “proibido”, aqui, ganham tons de “tudo é permitido”, quando o prazer das descobertas fala mais alto. Acho que é isso que encanta os que já foram crianças, na idade, e encontram, na peça, a oportunidade de resgatar sensações indeléveis do passado, distante ou mais próximo.


 


            CRISTINA MOURA merece muitos aplausos pela inventiva direção, que não se preocupa com cronologias ou sequências lógicas dos fatos, levando a plateia, em alguns momentos ao saudável exercício de ir além da compreensão da narrativa e buscar entender quem é quem na história ou, ainda, quando termina um fato e se inicia outro, contando, evidentemente, com o talento de seu elenco.

            O elenco é um capítulo à parte, no espetáculo, visto que o personagem protagonista é um só, mas os atores protagonistas são vários, cada um deles aproveitando, ao máximo, seus “momentos-solo”, surpreendendo o público, a cada nova cena. São adultos, representando crianças, porém falando como adulto, a adultos. Não destaco o trabalho de nenhum dos cinco, pois os nivelo no mesmo patamar.


 


O foco maior desta peça recai sobre o texto; a palavra é a matéria-prima do sucesso da montagem, mais que as expressões faciais e corporais, que entram no conjunto da interpretação, mas precisaria ser valorizada pelos atores, em cada fala, com a entonação adequada e a força expressiva exata. Isso os cinco sabem fazer com muita propriedade, na medida certa, sem exageros. Todos dialogam, entre si, no que dizem e no que deixam de dizer. Os silêncios das ações mudas, concomitantes a outras, em evidência, são um achado da direção, muito bem assimilado pelo talentoso elenco.   

            Chama a atenção do espectador, logo que este adentra a sala, o cenário, idealizado por OLÍVIA FERREIRA e PEDRO GARAVAGLIA (leia-se RADIOGRÁFICOS). Não é para ser entendido; é para ser observado e sentido. Um amontoado de elementos, distribuídos em espaços distintos, não limitados, traduz o caos dentro da cabecinha do pequeno ANTÔNIO (assim o decodifiquei), ao mesmo tempo em que mistura as aventuras e memórias, aproximando todos os momentos daquela infância evocada, enquanto desperta a curiosidade do espectador, que fica esperando que tal zona do palco e certos elementos cenográficos sejam utilizados e de que maneira o serão.  


 


            TICIANA PASSOS acerta nos figurinos, não infantilizando os atores, todos adultos, no personagem, criando trajes que não chamam a atenção do público, creio que para não desviá-lo do foco, que é a palavra, como já foi dito.

FRANCISO ROCHA, também, na iluminação, procurou ser discreto, parcimonioso, e marcou um golaço.  
 
DOMENICO LANCELOTTI, na direção musical, contribui para a harmonia e beleza do espetáculo.
 

 



 

FICHA TÉCNICA:

 

Baseado na obra de Antônio Prata
Direção, Criação e Idealização: Cristina Moura
Dramaturgia: Cristina Moura e Pedro Brício
Elenco: Inez Viana, Isabel Guéron, Pedro Brício, Renato  Linhares e Thiare Maia Amaral
Cenografia e Design Gráfico: Radiográficos (Olívia Ferreira e Pedro Garavaglia)
Figurinos: Ticiana Passos
Direção Musical: Domenico Lancelotti
Iluminação: Francisco Rocha
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Fotos: Renato Mangolin
 




 



            Assim como o menino ANTÔNIO experimentou sua primeira “epifania”, precocemente, aos três anos de idade, eu deixei o Teatro III, do Centro Cultural Banco do Brasil, na certeza de estar em contato com uma, mais uma, em minha vida de bem adulto; esta, porém, especial.
 
            "NU DE BOTAS", pelo talento e criatividade de todos os envolvidos no projeto credencia-se a merecer prêmios, em várias categorias.
 

 

 

 
 

 



 
(FOTOS: MARIA ESTEPHANIA.)

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