sexta-feira, 18 de novembro de 2016


PONTE GOLDEN GATE

 

(PARA COMEÇO DE CONVERSA...)
 

 
 


            Para começo de conversa, adoro (E quem não?), como já disse, várias vezes, ser surpreendido, positivamente, quando vou ao TEATRO, com poucas boas expectativas e/ou com muita curiosidade. No caso do espetáculo da última 4ª feira, tratava-se apenas de muita curiosidade, para conhecer um texto, de um iniciante dramaturgo, que promete bastante. As expectativas já eram boas, em função do elenco e da sinopse, porém elas, muito ampliadas, ultrapassaram bastante o que eu esperava ver.

            Estou me referindo à peça “PONTE GOLDEN GATE”, uma experiência ousada e “suicida” (sem trocadilhos) do jovem ator e dramaturgo IGOR COSSO, em seu segundo texto encenado, tudo feito por conta própria, sem patrocínio, na base do amor e da amizade, contando com a colaboração de alguns amigos, que apostaram no projeto, infelizmente, previsto para durar apenas três apresentações, em três quartas-feiras seguidas. A segunda foi anteontem e eu tive o prazer e a alegria de ter assistido a tal sessão. Resta, portanto, a última, do dia 23 de novembro, às 21h30min, no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea.

            Como todo principiante, falta, ainda, lapidar, um pouquinho, o diamante. IGOR precisa, obviamente, se aprofundar mais nas técnicas de dramaturgia, entretanto o básico e, o mais importante, o “jeito para a coisa”, ele já tem e o demonstra neste trabalho, que já ganhou prêmios de Melhor Texto em todos os festivais de que participou, como o FESQ CABO FRIO e o FESTU RIO, no qual foi escolhido, pelo roteirista Gregório Duvivier, ao concorrer com mais de 100 textos inscritos.


 
Thais Belchior, Igor Cosso e Leo Bahia.


            É muito boa e original a ideia do texto, que surgiu depois de IGOR ter assistido ao documentário "The Bridge" (2006), em que o diretor, Eric Steel, ao deixar a câmera filmando, durante meses, em frente à ponte mais famosa da Califórnia, registrou, em imagens chocantes, diversos suicídios, pessoas pulando lá de cima, das mais variadas e bizarras formas.

A curiosidade por essa frequência absurda de suicídios no local, a necessidade de falar sobre esse tema "tabu", de uma forma cômica e sem julgamentos, utilizando um "humor dramático", por mais paradoxal que possa parecer, o fascínio por todas as perguntas, sem respostas, ligadas à morte, e uma vontade enorme de viver levaram o autor incipiente a escrever, em forma de esquete, o texto "Golden Gate Bridge".   

Depois da experiência com a primeira peça teatral de sua autoria, "Primeiro Sinal", que já me causa curiosidade por conhecer, sob a direção de Ícaro Silva, o autor desenvolveu o premiado esquete em um espetáculo, com um aprofundamento maior do tema e das situações.

Rebatizada como "PONTE GOLDEN GATE", dirigida por WENDELL BENDELACK, a peça estreou em setembro de 2016, na Mostra de Espetáculos do Festu Rio 2016, no Teatro Cesgranrio, sob aplausos calorosos do público. Foi o pontapé inicial para o início de uma – espero – brilhante carreira do espetáculo, começando por uma minitemporada, de somente três apresentações, no Teatro das Artes, até o dia 23 de novembro (2016).

 
Leo Bahia e Igor Cosso.
 

 
SINOPSE:
 
A Ponte Golden Gate, na Califórnia, que liga a cidade de São Francisco e Sausalito, na região metropolitana de São Francisco, sobre o Estreito de Golden Gate, o principal cartão postal da cidade e considerada, pela Sociedade Americana de Engenheiros Civis, uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno, é uma das mais conhecidas construções, porém não é somente um famoso ponto turístico americano, mas também o maior “point” de suicídios do mundo.
 
Uma baiana de Ilhéus, JANETE (MARIANA CERRONE), um gótico, LÉO (ALEXANDRE BARROS), um casal hétero, no auge da paixão, SUZANA (THAIS BELCHIOR) e GERALDO (HAMILTON DIAS), um casal “gay” RAEL (IGOR COSSO) e BETO (LEO BAHIA) e uma revelação são os ingredientes deste “caldo”.


Seis brasileiros, sobre a ponte, se encontram em situações extremas, em que a vida não faz o menor sentido.
 
Uma comédia. Uma tragédia. Um absurdo.
 

 
 

            Sobre o texto, surgido a partir de um esquete, como já dito, cuja encenação gira em torno de 60 minutos, pareceu-me muito bem escrito, necessitando, porém, de alguns ajustes, o que é muito natural para o trabalho de um iniciante, também como já falei, entretanto não percebi nenhum grave deslize nele; penso que seja, apenas, uma questão de pequenos ajustes e, talvez, de alguns acréscimos, para enriquecê-lo, mas ele flui bem, os diálogos são bem dinâmicos e sempre há um elemento surpresa, ou melhor, algo que antecipa, para quem está atento ao texto, uma determinada situação, que, certamente, vai gerar um conflito ou criar um desconforto para algum personagem.

            A ideia é bastante original e gosto de textos surgidos de uma "mera" observação, que, para muitos, passaria despercebida. O olhar do dramaturgo, sobre um fato, descrito num documentário cinematográfico, como a grande incidência de suicídios, na Golden Gate Bridge, fez com que IGOR se questionasse e passasse a procurar respostas para aqueles gestos. Serviu de inspiração para a criação de um bom texto teatral. Já aí começam os méritos do autor da peça.

            A criação dos personagens, em três casais, vivendo dramas pessoais, todos, interligados por um único fio, pareceu-me um bom ponto de partida para a concepção da dramaturgia.

            A direção, de WENDELL BENDELACK, convidado pelo dramaturgo (e eles nem se conheciam, ainda, pessoalmente) é bastante satisfatória, considerando-se os parcos recursos financeiros para a montagem do espetáculo. Aí reside um aspecto de suma importância, que também se aplica aos profissionais responsáveis por outras rubricas da ficha técnica, como cenografia, figurino, iluminação e trilha sonora. Trata-se da condição de compensar a falta de recursos materiais com o talento e o amor ao TEATRO.

             Não podendo contar com uma boa verba para o desenvolvimento de uma proposta de direção mais arrojada, WENDELL e os já citados profissionais esqueceram a falta de dinheiro e puseram, em seu lugar, a criatividade e a experiência profissional, já tantas vezes provada, e partiu, o diretor, para explorar o potencial de seu elenco. Apostou todas as fichas e saiu-se vencedor.



 
O diretor, Wendell Bendelack (destaque à esquerda), e o elenco.


            Se não há dinheiro, explora-se a criatividade. Em outras condições econômicas, posso imaginar um cenário grandioso para o espetáculo, entretanto, com certeza, nada tão criativo – e que funciona muito bem – como as cinco escadas metálicas, abertas, e nada mais, utilizadas por MARCELLA RICA, duas maiores, ao fundo, e três menores, quase no proscênio, representando a famosa ponte. Sinceramente, adorei!

            Quanto aos figurinos, de MARIA THEREZA MACEDO, embora sem saber a origem das peças (talvez tenham sido garimpadas entre as que pertencem ao próprio elenco), atendem, perfeitamente, à proposta do espetáculo. A única ressalva que faço diz respeito ao figurino do personagem de ALEXANDRE BARROS, que achei muito superficial, para caracterizar um gótico. Apenas o preto (calça e camisa) não me parece suficiente para o visagismo do personagem. Acho que uma simples incrementada, com alguns acessórios, ajudaria a compor melhor o personagem. Mas, sem dinheiro, “é o que temos para hoje”, sem comprometer a montagem.

            Agradaram-me a iluminação, de FREDERICO EÇA, sem grandes firulas, pontuando as cenas e criando alguns efeitos bem interessantes – sempre considerando a carência de recursos financeiros – e a trilha sonora, de FLÁVIA BELCHIOR, que ajuda a criar o clima para determinadas situações cênicas.


 
"Afinando" a luz.


            Deixei para o final a atuação do elenco, muito boa, no geral, valorizada pelo amor que o sexteto de atores demonstra pelo TEATRO, ao participar de uma montagem com esta, como se fora uma superprodução. Todos, sem exceção, amigos de IGOR, foram escolhidos por este, por sua competência, e toparam, de pronto, fazer parte do projeto. Todos se doam, por inteiro, a seus personagens e os tornam importantes para a trama. Farei uma breve apreciação de seus trabalhos, por casal.

            ALEXANDRE BARROS é um ótimo ator, cuja carreira venho acompanhando, faz tempo, e na qual vejo, a cada trabalho, um avanço em seu rendimento. A angústia de viver de LÉO e a falta de sentido para a vida, na concepção de seu personagem, gótico, motivo para a sua tentativa de suicídio, são bem exploradas pelo ator, que consegue, apesar de a peça ser considerada uma comédia, mexer com a cabeça dos espectadores, estendendo-lhes a mesma preocupação. Serve para nos fazer refletir. Quanto a MARIANA CERRONE, confesso que, logo em suas primeiras falas, achei que não estivesse à altura de contracenar com seu par, entretanto, essa primeira, e rápida, impressão cedeu lugar a uma inevitável retificação de valor, passando a ser, para mim, uma excelente “performance”. Pesquisando sobre a atriz, vi que já a tinha visto em cena, em dois espetáculos anteriores, nos quais ela, certamente, não teve, em mãos, um papel à altura de seu talento, uma personagem que ela pudesse compor, de forma muito engraçada, como sua JANETE, tendo sido bastante elogiada pelos amigos com os quais conversei, após a sessão, coro que engrosso.

 
Alexandre Barros.
 
 
            Não me recordo de ter assistido a algum trabalho do jovem HAMÍLTON DIAS, cujo personagem, GERALDO, é o grande causador, ainda que involuntário, da tragédia final (Sem “spoiler”. Vá assistir à peça!). Gostei de seu trabalho. Já THAIS BELCHIOR, que, apesar de também jovem, já tem ótimos trabalhos em seu currículo, não faz conta de ser, fisicamente, franzina e cresce, torna-se gigantesca, em cena, por força de seu talento, o que confere à sua personagem, SUZANA, um quase “status” de protagonista, se bem que todos o sejam, na trama. A personagem, em si, já é engraçada, mas, possivelmente, não divertisse tanto a plateia, se interpretada por outra atriz.

 
Hamílton Dias e Thais Belchior.
 
 


            IGOR COSSO e LEO BAHIA, o casal homossexual, conseguiram desenvolver uma ótima química, em cena, angariando a simpatia do público. IGOR, pela fragilidade de seu personagem, RAEL, por seu drama pessoal e pela honestidade de querer romper uma relação homoafetiva, que passa bem aos olhos do espectador, com muita verdade, pelo fato de estar, praticamente, com seus dias contados, em função de uma doença degenerativa e incurável (NÃO É AIDS, antes que possam surgir ilações preconceituosas.). Ele abre mão do seu amor, para poupar o sofrimento do companheiro. Já LEO, revelado numa montagem universitária (“The Book of Mórmon) e, logo, estrelando grandes espetáculos, hoje, reconhecido e prestigiado nacionalmente, faz um divertido e destrambelhado BETO, o guia turístico enrolado e meio inconsequente, também numa ótima participação na peça.
 
 
Rael tenta se jogar da ponte.
 

            Torço muito para que o espetáculo consiga meios de prosseguir carreira, de preferência num teatro de menor porte, não só para diminuir os custos, como também para que a plateia possa estar mais próxima à ação, o que julgo fundamental neste espetáculo, o qual considero mais “in” que “out”, principalmente se levarmos em consideração todo o seu processo de produção.

         Espero, sinceramente, que consigam esgotar a lotação da última sessão, prevista para este ano, na próxima 4ª feira, às 21h30min, no Teatro das Artes, para coroar um trabalho tão bonito, de um grupo de abnegados amigos, por amor ao TEATRO e a uma profissão.

             
 
 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Igor Cosso
Direção: Wendell Bendelack

Elenco (por ordem de entrada dos casais): Alexandre Barros (Léo) e Mariana Cerrone (Janete), Hamílton Dias (Geraldo) e Thais Belchior (Suzana), Igor Cosso (Rael) e Leo Bahia (Beto).
 
Cenário: Marcella Rica
Iluminação: Frederico Eça
Figurino: Maria Thereza Macedo
Trilha: Flávia Belchior
Produção: Edésio Mota e Igor Cosso
Assistente de Direção: Mariana Molina
Design Gráfico: Andrea Barcelos e Thais Müller
Fotos: Vinícius Mochizuki
 

  

É a vez de BETO tentar o suicídio.



 
SERVIÇO:
 
Temporada (mini): de 9 a 23 de novembro de 2016
Local: Teatro da Artes – Shopping da Gávea, 2º piso
Endereço: Rua Marques de São Vicente, 52 – Gávea – Rio de Janeiro
Telefone: 2540-6004
Dias e Horários: Apenas às 4ªs feiras (9, 16 e 23) de novembro
Horário: 21h30min
Duração do Espetáculo: 60  minutos
Valor do Ingresso: R$40,00 (inteira). R$20,00 (meia-entrada, para aqueles que fizerem jus ao benefício)
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, a partir das 15h, até o início do espetáculo)
Capacidade: 453 lugares
Classificação Etária: 16 anos
 

 

 
Alguém se jogou da ponte.
Terá sido o "esquisitão paulista"?

 


(FOTOS: VINÍCIUS MOCHIZUKI.)
 
 
 


Com Igor Cosso (galeria particular).
 
 
 
 

Um comentário:

  1. Concordo com a observação sobre a atriz Mariana Cerrone! Já tive oportunidade de assisti-la numa peça, Robin Hood , e ela é fantástica! Super engraçada e talentosíssima.

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