domingo, 22 de janeiro de 2017


SE EU FOSSE SYLVIA P.

 

(A PRIMEIRA GRANDE BOA SURPRESA TEATRAL DE 2017.)

 

 

 

            Foi dada a partida para mais um ano teatral, no Rio de Janeiro, com muitas reestreias e poucos espetáculos inéditos, por enquanto. Destes, alguns são de qualidade (bem) duvidosa, os quais não mencionarei, por respeito a todos os envolvidos nos projetos e que, certamente, deram o melhor de si e sempre têm o propósito de acertar.

Das dezoito peças a que assisti, do dia 5 próximo passado (janeiro / 2017) até ontem (dia 21), apenas oito estão estreando no Rio de Janeiro, algumas vindas de temporadas em outras praças. Não escreverei sobre todas, porque apenas duas me agradaram, uma delas muito, e uma, mais ou menos. Sobre estas, espero fazer meus comentários, agora e em outras ocasiões. 

            Começo por “SE EU FOSSE SYLVIA P.”, que está em cartaz, em horário alternativo, no Teatro Cândido Mendes (Ipanema – Rio de Janeiro), embora merecesse ocupar o horário nobre.


 
 
 

            Infelizmente, creio que não poderemos esperar grandes produções teatrais este ano, em função da grave crise econômica por que passa o país (já disse isso, em artigo recente; é só procurar no blogue), fruto de péssimas administrações e muito roubo e corrupção, o que leva empresas privadas e órgãos governamentais a negar patrocínio ao TEATRO. Felizmente, alguns “quixotes” levam adiante seus sonhos e, lutando contra gigantescos moinhos de vento, conseguem estrear seus espetáculos, muitas vezes, com prejuízo financeiro.

            Também é bom dizer – fique bem claro – que não se faz um bom espetáculo teatral “apenas” com um orçamento polpudo, nomes “globais”, figurinos caros e cenários nababescos. Está mais do que provado, através do tempo, que é possível agradar ao público e à crítica com espetáculos modestos, em termos de orçamento, mas com um bom texto, uma boa direção e bons atores, que é, exatamente, o que acontece com a peça que está sendo analisada.

 
 
Preparando para..
 


   
...uma mordida no rosto.

 

            O espetáculo é a realização de um sonho da atriz e dramaturga ALESSANDRA GELIO, que também divide a direção com CYNTHIA REIS.

A peça gira em torno da vida e obra da poeta e escritora americana SYLVIA PLATH e relatos pessoais do elenco.

 

 
Téia Kane esquerda) e Alessandra Gelio (direita).

 

 
SINOPSE:
 
A montagem é uma experiência cênica poética, que transita entre a realidade e a ficção.
 
O tom confessional que marca a obra literária de SYLVIA PLATH conduz a dramaturgia, criando uma atmosfera intimista.
 
Temas, como o amor, a solidão, as relações familiares, a vida e a morte perpassam a apresentação.
 
Uma das mais importantes escritoras de todos os tempos, reconhecida, principalmente, pela sua obra poética e pelo seu romance autobiográfico “A redoma de Vidro”, SYLVIA viveu um casamento conturbado, com o poeta inglês TED HUGHES, com quem teve dois filhos, Frieda Hughes e Nicholas Hughes.
 
Ela sofria com a infidelidade do marido, e as crises de depressão, por motivos vários, a acompanhavam desde a adolescência.
 
Já separada, aos 30 anos de idade, ela se matou, enfiando a cabeça num forno a gás.
 

 
 

              Alessandra Gelio / Sylvia Plath.
 
 
                                                                              Léo Rosa / Ted Hughes.



                                Téia Kane / Assia Wevill.


 
                                                                                                        O elenco.
 
 

A ideia de dar o pontapé inicial ao projeto surgiu, depois de ALESSANDRA ter assistido, há quatro anos, ao filme “Sylvia – Paixão Além das Palavras”, de 2003, e após a ruptura de seu segundo casamento. Começou, então, a se interessar pelo universo da poeta norte-americana SYLVIA PLATH (1932-1963) e a pesquisar sobre ele, chegando a descobrir várias semelhanças entre momentos marcantes da sua vida pessoal e a da escritora.

Na criação da dramaturgia, ALESSANDRA GELIO utilizou experiências de sua vida pessoal e da história de SYLVIA. O trabalho foi desenvolvido durante um processo criativo, que contou com a colaboração do elenco, formado por TÉIA KANE e LÉO ROSA, contando, ainda, com a contribuição do ator Daniel Chagas, que participou do estágio inicial do projeto.
 

  
 

SYLVIA era filha de Aurelia Schober Plath, da primeira geração norte-americana de uma família austríaca, e de Otto Emile Plath, um imigrante de Grabow, Alemanha, o qual trabalhava como professor de zoologia e alemão na Universidade de Boston, sendo, também, um notável especialista em abelhas. Otto morreu, em 5 de novembro de 1940, uma semana e meia após o aniversário de oito anos de SYLVIA, devido a complicações seguidas à amputação de uma das pernas, em decorrência de diabetes.

Há relatos que dizem ter SYLVIA tentado o suicídio outras vezes. Numa delas, ingeriu grande quantidade de narcóticos. Após esse episódio, esteve internada, por pouco tempo, numa instituição psiquiátrica, onde recebeu terapia de eletrochoques.


 



No final de fevereiro de 1955, conheceu um jovem poeta britânico, TED HUGHES, o que PLATH afirmou, em uma carta à mãe, ser uma paixão imediata, visto que já acompanhava e admirava seu trabalho literário. Casaram-se, em uma pequena cerimônia, no dia 16 de junho de 1955.

O casamento, porém, não durou muito e, a partir de um determinado momento, começou a enfrentar muitos obstáculos, principalmente por causa da relação extra-conjugal de HUGHES com ASSIA WEVILL, e o casal separou-se, no final de 1962.

Na manhã de 11 de fevereiro de 1963, passando por um momento de grande depressão, SYLVIA vedou, completamente, o quarto das crianças, com toalhas molhadas e roupas, deixando leite e pão perto de suas camas, tendo ainda o cuidado de abrir as janelas do quarto, ainda que em meio a uma forte nevasca. Ato contínuo, tomou uma grande quantidade de narcóticos, deitando, logo após, a cabeça sobre uma toalha no interior do forno, com o gás ligado, morrendo em pouco tempo.

Na manhã seguinte, o corpo foi encontrado por uma enfermeira, que havia contratado, a qual, quando chegou ao apartamento, sentiu um cheiro muito forte de gás. Pediu ajuda. A porta foi arrombada. O quarto das crianças estava gelado, e ambas, com muito frio.




Antes de se tornar uma das maiores poetas norte-americanas e de receber vários prêmios, inclusive um Pulitzer póstumo, em 1982, pela antologia "The Collected Poems", SYLVIA PLATH, teve vários de seus poemas recusados. Ela alimentou, também, o hábito de escrever diários, desde a idade de 11 anos, até o seu suicídio, alguns deles publicados, após sua morte.

            Na mecânica do espetáculo, o que vemos, em cena, é ALESSANDRA GELIO, relatando momentos pessoais, que se misturam com passagens da vida de SYLVIA PLATH. Não ficou de fora, nem mesmo, a primeira vez em que beijou o futuro marido, em 1955, numa festa em Cambridge, quando lhe deu uma mordida tão forte no rosto, que fez com que escorresse um filete de sangue.

Assim como a escritora norte-americana, ALESSANDRA perdeu seu pai precocemente, aos nove anos de idade, e não foi ao enterro por orientação da família, como também aconteceu no enterro do pai de SYLVIA. Ambas as mães quiseram poupar o sofrimento às filhas. Também viveu uma paixão visceral, um casamento conturbado, e os ciúmes estavam presentes.

Os atores TÉIA KANE e LÉO ROSA também levaram suas histórias de vida para a dramaturgia. Eles se alternam entres esses momentos pessoais como os personagens ASSIA WEVILL (TÉIA), que foi amante e pivô da separação do casal, e TED HUGHES (LÉO).
 
 
Triângulo amoroso.


Sobre o espetáculo, tenho de tecer elogios ao modelo de construção do texto e à boa qualidade dos diálogos, que contribuem para o tom realista da peça e, por vezes, provoca maior atenção dos espectadores, para entenderem se quem está dizendo o texto é o(a) ator(atriz) ou o(a) personagem, um detalhe muito interessante na montagem. Até que ponto quem está falando, por exemplo, é ALESSANDRA ou SYLVIA? Não importa, porque há uma fusão entre as duas, assim como existe, também, entre os dois colegas de cenas e as personalidades que representam. Há uma excelente integração e cumplicidade entre o trio de atores, não me permitindo destacar nenhum dos três. Acrescento que ALESSANDRA, LÉO e TÉIA o fazem com muita habilidade e competência. Ótimos trabalhos de interpretação!!!

É muito criativa e instigante a proposta de direção da dupla ALESSANDRA GELIO e CYNTHIA REIS, aproveitando-se do resumido espaço do Teatro Cândido Mendes, para tornar o espetáculo bem intimista, com os atores muito próximos à plateia e interagindo, positivamente, com as pessoas, a ponto de, numa determinada cena, ALESSANDRA, a atriz, pedir a alguém que leia uma carta de seu pai aos filhos. Eu fui convidado a fazê-lo e o fiz, com muito prazer e emoção.

RENATO MACHADO, com grande maestria, como grande profissional que é, por tantas vezes premiado, conseguiu, naquele espaço limitado, em termos físicos e de equipamento de luz, criar uma belíssima iluminação, que não haverá de passar despercebida aos olhos dos que são encarregados de apontar indicados a prêmios.






Quanto à cenografia, considerando os parcos recursos para a montagem da peça, digo que é um luxo, não no sentido de dispendiosa, mas referindo-me à criatividade e simbologia que ela carrega. São três pequenos armários (arquivos) de ferro, cinza (o detalhe da cor é muito importante), que guardam objetos de cena (de lá, são retirados e guardados, para ficarem à mostra, quando for conveniente, e escondidos, sepultados no passado, quando se fizer necessário) e uma estrutura, também de ferro, sobre a qual repousa um grande aquário, retangular, com água, capaz de fazer caber uma pessoa deitada. É grande a simbologia desse objeto, dentro do qual são mergulhados outros, que teriam mesmo de ser descartados, assim como serve para a simulação do suicídio da protagonista. Por tudo isso, só posso dar os parabéns a ELSA ROMERO, que assina o cenário.

Não há muito a dizer sobre os bons figurinos, de ROSA EBEE e TIAGO RIBEIRO, a não ser que estão ajustados à proposta da peça e aos personagens.






Em cena, há um quarto elemento, que, indiretamente, participa da encenação, criando uma ambientação sonora totalmente pertinente às cenas, que é FELLIPE MESQUITA, tirando sons deliciosos de uma guitarra (o pai de ALESSANDRA também tocava esse instrumento) e operando, raras vezes, um gravador. No dia em que assisti à peça, esse músico foi substituído, em cima da hora, por LUÍS CAETANO, a quem, no caso, direciono os meus elogios, por aquela sessão.

Batendo na mesma tecla, digo que vou, sempre, ao TEATRO com a melhor das expectativas e esperando sair de lá bastante gratificado. Em função de vários elementos, algumas vezes, ela é maior ou menor. No caso do espetáculo em tela, confesso que estava na casa da “expectativa média”, mas fui para casa muito feliz, por ter assistido a uma experiência teatral de grande qualidade, que superou, em muito, o que eu esperava ver. É dessas peças que eu gosto mais. De onde não se espera tanto, surge MUITO.

Dormi um sono leve e confortável, naquela noite, razão pela qual recomendo este espetáculo, na certeza de que terão a mesma grata surpresa que tomou conta de mim.   

 
 
 



 
FICHA TÉCNICA:
 
Idealização e Dramaturgia: Alessandra Gelio
Direção: Alessandra Gelio e Cynthia Reis
 
Elenco: Alessandra Gelio, Léo Rosa e Téia Kane
 
Assistência de Dramaturgia: Cynthia Reis e Yasmin Garcez
Colaboração Artística: Helena Varvaki
Cenografia: Elsa Romero
Assistência de Cenografia: Inês Nessimian
Figurino: Rosa Ebee e Tiago Ribeiro
Costura: Ateliê das Meninas (Maria e Zezé)
Iluminação: Renato Machado
Programação Visual e Direção de Fotografia: Daniel de Jesus
Fotografia: Priscila Villas Bôas
Vídeo: Sandro Arieta
Músico: Fellipe Mesquita
Assessoria de Imprensa: Bianca Senna e Paula Catunda
Produção Executiva: Juliana Fernandes
Direção de Produção: Larissa Benini
Realização: Téia Kane
 

 
 

 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 10 de janeiro a 23 de fevereiro (2017)
Local: Teatro Cândido Mendes (Rua Joana Angélica, 63 – Ipanema – Rio de Janeiro)
Tel.: (21) 2523- 3663
Dias e Horários: 3ªs, 4ªs e 5ªs feiras, às 20h
Valor do Ingressos: R$30,00 (inteira); R$15,00 (meia-entrada, para os que, legalmente, fazem jus a ela)
Duração: 90 min
Classificação Etária: 18 anos.
 

 


 



 

(FOTOS: PRISCILA VILLAS BÔAS)


 




 

 



 

 

 

 

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

 



Um comentário:

  1. Nossa! Que bom que você escreveu, fiquei interessadíssima, vou essa semana❤🎭😘

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