domingo, 1 de abril de 2018


GRITOS



(DA ARTE DA PERFEIÇÃO.
ou
DA ARTE DE EMOCIONAR.
ou
DA ARTE DE SABER FAZER 
TEATRO GESTUAL.
ou
DA ARTE DE SER ARTISTA.
ou
DA ARTE, SIMPLESMENTE.)






            Estou, agora, humildemente, me redimindo de um grave erro, cometido, sem a menor intenção, há cerca de um ano e meio. Não sei, realmente, o que teria acontecido, naquela época, mas o fato é que escrevi uma crítica sobre uma das maiores OBRAS-PRIMAS a que já assisti, no TEATRO, e, não sei por qual motivo, não cheguei a publicá-la, o que faço agora, valendo-me do fato de que o espetáculo, felizmente, continua em cartaz.  

Há determinadas companhias de TEATRO que nos instigam a querer conferir, imediatamente, um seu novo trabalho, tão logo este é anunciado. É o caso da CIA. (franco-brasileira) DOS À DEUX, com base em Paris e no Rio de Janeiro, criada em 1997, na França, por ANDRÉ CURTI e ARTUR LUANDA RIBEIRO, atores e dançarinos, os quais se propõem a desenvolver uma pesquisa sobre o teatro gestual, unindo as duas artes, o TEATRO e a dança.




A partir de lá, a CIA. vem criando vários trabalhos, todos espetáculos aclamados pelo público e pela crítica, tendo sido, a meu juízo, “Irmãos de Sangue” sua obra de máxima beleza e repercussão, até hoje, vencedora de vários prêmios e indicada a outros tantos. Esses espetáculos percorreram o Brasil e vários outros países.

“Essa pesquisa sobre o gesto se distingue pela singularidade de um universo repleto de uma rara poesia e de uma grande fineza. Esses artistas, dançarinos do TEATRO, não param de nos surpreender com a grande inventividade, precisão e onirismo presente nos espetáculos”. (Extraído do “site” da CIA..)

            O fascinante espetáculo “GRITOS”, que fez uma brilhante carreira, no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro, em 2016 e 2017, passando por todas as unidades do CCBB (TURNÊ GRITOS: CCBB Rio de Janeiro, de 17 de novembro a 16 de janeiro de 2017; CCBB Brasília, de 8 de fevereiro a 5 de março de 2017; CCBB São Paulo, de 10 de março a 24 de abril de 2017; CCBB Belo Horizonte, de 4 de maio a 12 de junho de 2017), já viajou, também, por outros países e, recentemente, encerrou uma vitoriosa temporada popular, no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro.







Mas não param por aí. Atualmente, voltaram ao cartaz, no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, Rio de Janeiro, onde ficarão em cena até o dia 15 de abril (2018) (VER SERVIÇO).

A estrutura do espetáculo está dividida em três segmentos numerados e com títulos distintos: “GRITO 1: LOUISE E A VELHA MÃE”; “GRITO 2: O MURO”; e “GRITO 3: AMOR EM TEMPO DE GUERRA”. Tudo se apoia em três poemas gestuais metafóricos, tendo como tema o amor, visto e desenvolvido sob diferentes formas de manifestação.



 












SINOPSE:


GRITO 1: LOUISE (E A VELHA MÃE)

LOUISE nasceu num corpo de homem, um corpo que ela não quer. O masculino e o feminino habitam o mesmo corpo, um sendo o fantasma do outro. São quatro pernas, duas cabeças e um jogo de ilusão, como se ela fosse uma marionete dela mesma. Ator e personagem, jogando dentro de um labirinto de espelho e reflexo. Ela deseja ser invisível aos olhares dos outros, mas se choca sempre num turbilhão de preconceitos, intolerância e homofobia.

A mãe de LOUISE, uma velha senhora doente, também invisível perante a sociedade, depende, totalmente, de seu(sua) filho(a),  para existir, como uma marionete prisioneira de sua cadeira. E, apesar dessa dependência, ela o/a rejeita, movida pelo puro preconceito e não aceitação do outro.

GRITO 2: O HOMEM  (E O MURO)

Um poema metafórico sobre o homem que perdeu a cabeça. Um muro os divide. A cabeça de um lado, dentro de uma gaiola, o corpo de outro. Sem saber se esse muro é real ou se imaginado por eles mesmos, o corpo e a cabeça executam uma dança onírica, em busca de sua outra parte. Um poema gestual entre o sonho, o onírico e o absurdo.

GRITO 3: KALSUN (E O AMOR EM TEMPOS DE GUERRA

Numa atmosfera surrealista, uma mulher, vestida de negro, surge, revelando sua beleza e seus gestos lentos. Ela é do Extremo Oriente. Partes do corpo de um homem, que está envolto com ela num mar negro de tecido, aparece lentamente. Uma dança de amor, misteriosa, começa, com som de bombas ao longe. Uma bomba interrompe a noite de amor e acaba com a vida do amante. Sozinha, num mundo hostil de guerra, escondida da sociedade, dá vida a uma criança e continua a luta pela sobrevivência.














            Sobre o processo de criação do espetáculo, eis o que dizem seus criadores, no “site” da CIA.: “No começo, dois corpos adultos, aparentemente humanos, lado a lado, sentados cada um em sua cadeira, permaneceram ali, no palco vazio, por várias semanas.

Dia após dia, ficávamos, em nossa sala de ensaio, em silêncio, frente a esses dois personagens. Era como se estivéssemos diante de dois atores, que, ali, sentados, exerciam o mais difícil do nosso ofício: a imobilidade. Não sabíamos o que nos intrigava. Não chegávamos perto, não mudávamos a posição deles. Ficávamos, simplesmente, observando seus corpos imóveis e seus olhares enigmáticos. Algo invisível, misterioso e poético estava escondido ali.
Depois de semanas, contemplando as duas marionetes, entramos palco adentro, sem nenhuma indicação precisa do que iríamos fazer.
Nesse primeiro contato, nesse primeiro toque, cada um de nós se debruçou e mergulhou no abismo desses dois seres. Foi como se houvéssemos escorregado e penetrado no outro lado de um espelho. Uma vez dentro desse novo universo, não havia mais saída. O jogo tinha começado, o início de tudo, a montagem de um complexo quebra-cabeça…






Primeiramente, nós os separamos, não somente um do outro, mas de seus próprios membros. Uma cabeça foi para um lado, um pé para o outro, um braço para lá, outro para cá, uma mão segurando uma mala, um pé atrás da cortina, como espiando ou aguardando a hora de sua entrada em cena.
Uma bela instalação plástica e cênica se instaurou no palco, antes vazio.
Descobrimos, então, que o que havia de realmente misterioso nisso tudo era que não existiam somente dois personagens naquelas duas marionetes, mas, sim, vários: a LOUISE, a MÃE, o HOMEM, a KALSUN, a MULHER…
Assim, surgiu GRITOS’, a partir de dois corpos-bonecos, que por ‘AMOR’, tema de nosso espetáculo, doaram partes de seus corpos e se multiplicaram, para dar à luz três poemas gestuais”.

            Lendo esse depoimento, mais, ainda, valorizamos o produto final deste processo de criação, que surgiu, praticamente, do “nada”, para atingir o “tudo”. É extremamente inspirador saber que, apenas, com o desejo de se explorar temas da atualidade, todos girando em torno do amor, ou da ausência e carência dele, como o preconceito, a homofobia, a xenofobia, os refugiados de guerra, a invisibilidade do outro, o não (re)conhecimento do altruísmo, se pôde chegar a um resultado tão pleno, explorado, em combinação com outros elementos, num universo onírico, até surrealista, se nos permitirmos identificá-lo nos três “GRITOS”.









            A dramaturgia verbal cede espaço à do gesto. Este se sobrepõe a qualquer outro tipo de tentativa de comunicação. As três histórias, “independentes”, são contadas num silêncio de palavras, com um único momento de exceção, contado nos dedos de uma das mãos; um silêncio apenas não total, porque o espetáculo é, do princípio ao fim, acomodado sobre uma nuvem tangível de sons, produzidos por uma das mais brilhantes trilhas sonoras que já tive a oportunidade de ouvir em TEATRO, criada pelo talento de FERNANDO MOTA, BETO LEMOS e MARCELO H. Mas o silêncio, a total ausência de som, também faz parte dessa trilha fantástica, para que cada espectador acrescente o seu.

            Este espetáculo se apoia num tripé, que garante todo o seu sucesso: o trabalho corporal e facial dos atores / dançarinos, a trilha sonora e a iluminação, este elemento é uma marca registrada dos trabalhos da CIA. e fator da maior importância nesta montagem, por ser capaz de criar todas as ilusões e nos transportar para um mundo mágico, de sonhos, no qual não há espaço para uma grande visibilidade daquilo que, de tão feio, condenável e abjeto, na sociedade, deveria, mesmo, ficar nas sombras. Além disso, a técnica de iluminação, utilizada por ARTUR LUANDA RIBEIRO e HUGO MERCIER não é comum no TEATRO tradicional, pois tem uma função a mais: ela funciona como um ser actante, contracenando com os atores.






            A cenografia, também, de ANDRÉ e ARTUR, é de suma importância no trabalho. Além de vários objetos de cena, indispensáveis, que vão sendo introduzidos no cenário, de acordo com as necessidades, ocupam o espaço cênico, de forma admirável, sete estruturas vazadas de colchões de mola (apenas as esquadrias e as molas), permitindo que se aviste o que está por trás delas e que servem de limites, de “paredes”, para os diversos ambientes, sem o sentido do confinamento. Tudo se mistura, tudo está presente, em qualquer espaço geográfico do planeta.

            Esses colchões vão sendo deslocados, pelos próprios atores, contando com a colaboração valiosíssima de JESSÉ NATAN e LEANDRO BRANDER (um ou outro, ou os dois, salvo engano), construindo estruturas físicas, como paredes e muros diáfanos.

            Para completar os elementos cenográficos, merecem um grande destaque os bonecos, criados e construídos por uma marionetista russa, de nome NATACHA BELOVA, e por um artista plástico brasileiro, BRUNO DANTE. São peças que chamam a nossa atenção, pela sensação de estarem vivas e pela maneira como são manipuladas pelos atores, contracenando com eles, com seus “GRITOS”, silenciosos e interiores.

THANARA SCHONARDIE é uma figurinista que "brinca" com os materiais que emprega nos seus figurinos. Considero-a uma “artista plástica do TEATRO”. Cada peça por ela criada é uma joia, que merecia ser exposta num “Museu dos Figurinos”, se alguém viesse a pensar nele, para serem apreciadas pelas futuras gerações. É assim que ela trabalha suas criações para “GRITOS”, um trabalho digno de todos os aplausos.

Falar da atuação de ARTUR CURTI e ANDRÉ LUANDA RIBEIRO é uma função quase impossível, pois ainda não foi inventada uma fórmula, para se descrever o indescritível. Só mesmo vendo, para aquilatar o belíssimo trabalho de corpo e de expressão facial dessa dupla, invencível, naquilo a que se propõe fazer: DIZER, SEM FALAR.










FICHA TÉCNICA:


Concepção, Dramaturgia, Cenografia e Direção: André Curti e Artur Luanda Ribeiro

Interpretação: André Curti e Artur Luanda Ribeiro

Pesquisa e Realização Objetos / Bonecos: Natacha Belova e Bruno Dante
Assistente de Realização Objetos / Bonecos: Cleyton Diirr
Criação Musical Grito 1: Fernando Mota
Colaboração: Beto Lemos e Marcelo H
Direção Musical Gritos 2 e 3: Beto Lemos
Criação Musical Gritos 2 e 3: Marcelo H
Cenotécnico: Jessé Natan
Iluminação: Artur Luanda Ribeiro e Hugo Mercier
Figurinos: Thanara Schonardie
Contramestra: Maria Madalena Oliveira
Comunicação Visual: Bruno Dante
Técnico de Luz : PH
Técnico de Som: Gabriel Reis
Contrarregra: Jessé Natan e Leandro Brander
Direção de Produção: Sérgio Saboya E Sílvio Batistela
Produção Executiva: Ártemis
Equipe de produção: Alex Nunes e Patrícia Basílio
Realização próteses: Dra. Rita Guimarães de Freitas
Fotos: Renato Mangolin
Produção: Cia Dos à Deux e Galharufa Produções Culturais
Assessoria de Imprensa: Paula Catunda e Bianca Senna











SERVIÇO:

Temporada: De 23/3 a 15/4 de 2018
Local: Casa de Cultura Laura Alvim
Endereço: Avenida Vieira Souto, 176 – Ipanema – Rio de Janeiro
Informações: (21) 2332-2015
Dias e Horários: 6ª feira e sábado, às 20h; domingo, às 19h
Valor do Ingressos: R$50,00 (inteira); R$25,00 (meia entrada)
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª a 6ª feira, das 16h às 21h; sábado, das 15h às 21h; domingo, das 15h às 20h
Capacidade:  190 lugares
Classificação Indicativa: 14 anos.
Gênero: Drama
Duração: 1h15min



           






O movimento modernista, nas artes, no Brasil, provou que há poesia e beleza em tudo, até num ambiente hostil ou numa situação de risco. É possível enxergar beleza na tragédia do que se passa em “GRITOS”, em todas as situações-limite propostas.
O espetáculo foi indicado a vários prêmios e detentor de muitos, sendo que, no 5º Prêmio Botequim Cultural, de cujo júri faço parte, por exemplo, mereceu 8 indicações, nas categorias de Melhor Espetáculo, Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Autor, Melhor Cenografia e Categoria Especial (André Curti e Artur Luanda Ribeiro); Melhor Iluminação (Artur Luanda Ribeiro e Hugo Mercier); e  Melhor Direção Musical (Beto Lemos).
Por considerá-lo uma verdadeira OBRA-PRIMA, o que se justifica pela longevidade em cena, pelos prêmios recebidos e pela aceitação do público e da crítica especializada, é que recomendo, com o maior empenho, o espetáculo.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA A DIVULGAÇÃO DO TEATRO BRASILEIRO!!!






















(FOTOS: RENATO MANGOLIN.)



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